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Analista americano defende a guerra, mas acha que o país pode ficar sem aliados e terá de pagar a conta da crise
Isolamento custará caro aos EUA, diz Pollack
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
Se o ditador iraquiano, Saddam
Hussein, não estivesse em cima da
segunda maior reserva de petróleo do mundo, provavelmente o
governo do presidente George W.
Bush não invadiria o Iraque, como pretende.
"A economia do mundo inteiro
depende de uma coisa: petróleo
barato", diz Kenneth Pollack, autor do aclamado livro "The
Threatening Storm: The Case for
Invading Iraq" (a tempestade
ameaçadora: a questão da invasão
do Iraque), no qual apresenta argumentos a favor de uma guerra
contra Saddam.
Pollack, ex-diretor do Conselho
de Segurança Nacional no governo Bill Clinton e analista militar
da CIA durante a Guerra Irã-Iraque (1980-88), afirma que os EUA
têm de "enfrentar um custo potencial de uma guerra agora ou
uma guerra potencialmente muito pior no futuro próximo".
Se agirem por conta própria,
diz, os americanos correm o risco
não apenas de pagarem a conta da
guerra e da reconstrução sozinhos, como também de ficarem
mais isolados quando tiverem de
agir contra outro inimigo internacional mais forte que Saddam.
Leia entrevista que Pollack concedeu à Folha em Washington.
Folha - Se Saddam Hussein estivesse na África, longe do petróleo
do Oriente Médio, e tivesse o mesmo potencial bélico de que dispõe
atualmente, o sr. acredita que a
preocupação americana com ele
seria a mesma?
Kenneth Pollack - Provavelmente não, porque ele seria uma
ameaça menor aos Estados Unidos e ao resto do mundo. O golfo
Pérsico é uma região extremamente importante para o mundo
todo. A economia do mundo inteiro depende de uma coisa: petróleo barato. E a estabilidade do
golfo Pérsico depende e está totalmente determinada pela existência ou não de um fluxo de petróleo barato.
Se Saddam Hussein vivesse na
África, não haveria nenhuma
ameaça para a economia mundial. Mesmo se ele fosse um motivo de preocupação para seus vizinhos africanos, isso não teria a
menor importância. A economia
mundial não teria qualquer impacto com a sua existência.
Folha - Quais serão as consequências de uma ação norte-americana
contra o Iraque sem o apoio do
Conselho de Segurança da ONU?
Que futuro terá a Organização das
Nações Unidas depois de uma ação
desse tipo?
Pollack - Há dois problemas potenciais em os Estados Unidos
irem à guerra contra o Iraque sem
as Nações Unidas. O primeiro
tem a ver com a reconstrução do
país. Será extremamente mais difícil conseguir apoio financeiro
internacional para isso. Haverá
países dispostos a ajudar, mas o
entusiasmo será mínimo. Não teremos o apoio financeiro de que
precisaríamos para a tarefa de reconstruir o Iraque pós-guerra.
O segundo ponto, que é o que
mais me preocupa, é a questão da
potencial crise pós-Iraque. Saddam Hussein não será o último
problema que os Estados Unidos
e a comunidade internacional deverão enfrentar.
Em um certo sentido, a crise iraquiana é bastante peculiar. Os
EUA podem se dar ao luxo de cuidar sozinhos do Iraque. Nós podemos, sozinhos, tirar Saddam do
poder. É um fato. E poderíamos
provavelmente reconstruir o Iraque também sozinhos.
O problema é que a próxima
crise que aparecer no horizonte
provavelmente não será tão fácil
de resolver como essa. Aí nós vamos precisar de nossos aliados. E
o meu receio é que, se os EUA atacarem sozinhos o Iraque desta
vez, nossos amigos não estarão lá
para nos ajudar quando estivermos em campo na próxima.
Folha - Em seu livro, o sr. faz uma
analogia entre Saddam Hussein e
Adolf Hitler. Afirma que, no início
do nazismo, tanto França quanto
Reino Unido não se importaram
com ele e não tiveram a coragem
de agir na hora certa. O sr. vê Saddam como um Hitler em potencial?
Pollack - Nós enfrentamos hoje
um momento muito semelhante.
Em 1938, ingleses e franceses
olhavam para Hitler e diziam: esse
sujeito é um problema e tanto.
São grandes as chances de termos
de enfrentá-lo em algum ponto
no futuro. Mas eles optaram por
não fazê-lo em 1938 na esperança
de que algo pudesse acontecer para evitar esse confronto no futuro.
E a história mostrou que eles estavam profundamente enganados.
Milhões de pessoas foram mortas
e assassinadas como resultado daquele erro de avaliação.
Saddam Hussein não é como
Hitler no sentido de que Hitler era
muito mais ameaçador. Ele estava
no coração da Europa, num dos
países mais importantes da região, tinha a segunda economia
do mundo na mão e o Exército
mais poderoso do planeta.
Folha - Documentos revelados recentemente mostram que o papel
dos Estados Unidos na "criação" de
Saddam Hussein foi muito mais
profundo do que se pensava. O
atual secretário da Defesa dos EUA,
Donald Rumsfeld, esteve pelo menos duas vezes com ele, no início
dos anos 80, ajudando a reatar as
relações diplomáticas entre os dois
países. E conhecia suas aspirações
militares e políticas no golfo Pérsico. Qual a responsabilidade dos Estados Unidos nesta crise?
Pollack - Essa é uma grande pergunta. Os Estados Unidos realmente desempenharam um papel
que contribuiu para que Saddam
se transformasse no que é. Não há
dúvida em relação a isso. Mas a
pergunta mais importante é a seguinte: isso deveria nos desqualificar? Deveria nos impedir de agir
agora? A resposta é não. Nós cometemos um erro, um grande erro, no início dos anos 80. Mas isso
não deve nos desqualificar para
enfrentar o problema e a ameaça
que ele representa agora.
Folha - E depois da guerra? Qual
será o futuro do Iraque?
Pollack - No início havia uma
percepção, aqui, de que a reconstrução do Iraque seria muito parecida com a do Afeganistão. Haveria um governo de transição e
conferências e encontraríamos algum líder de oposição em algum
lugar para tomar conta do país,
em um governo de transição até
as eleições.
Agora, as autoridades americanas estão reconhecendo que o Iraque não pode ser tratado da mesma maneira.
A reconstrução do Iraque vai
demandar muito tempo até que o
país saia do caos e volte à normalidade. As Nações Unidas deveriam
ter um papel muito importante
nisso, pois está muito difícil convencer a todos que a administração Bush não está interessada
apenas no petróleo iraquiano.
Mesmo internamente, as pessoas
têm essa suspeita.
Esse é um problema tremendo,
pois entraremos no país sob a
desconfiança da comunidade internacional, do público americano e dos próprios iraquianos -e
não temos a menor idéia de como
a população iraquiana se sente
hoje.
Creio que eles não tenham boas
suspeitas em relação aos motivos
que nos estão levando a agir. Por
isso a cooperação das Nações
Unidas é crucial nesse processo.
Além disso, a reconstrução iraquiana deverá custar uma fortuna
e seria bom termos outros países
dispostos a dividir a conta.
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