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Maior etnia sem Estado do mundo vê-se novamente em meio a interesses antagônicos e teme sofrer mais um revés
Risco de guerra volta a amedrontar curdos
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
Enquanto utilizam todo o seu
poder de barganha para inflar a
coalizão que tentam formar em
torno de uma ofensiva militar
contra o ditador iraquiano, Saddam Hussein, os Estados Unidos
estão sendo obrigados a apaziguar uma troca de ameaças entre
dois antigos aliados no Oriente
Médio: o governo turco e as lideranças curdas do Iraque.
Além de uma bilionária ajuda financeira em troca da utilização de
suas bases militares, a Turquia está pedindo autorização aos norte-americanos para que suas tropas
permaneçam no Iraque após uma
eventual guerra.
A idéia do governo em Ancara
(capital) é abafar qualquer tipo de
movimentação dos curdos iraquianos em torno da criação de
um Estado independente, o que
poderia encorajar a minoria curda na Turquia a seguir o mesmo
caminho.
Por outro lado, os curdos iraquianos já avisaram aos EUA que
não permitirão a "intromissão"
turca em seu território. Eles ainda
querem que seus peshmergas
(guerrilheiros) sejam armados
pelos norte-americanos.
O atual clima de tensão, porém,
contrasta drasticamente com
uma parceria fechada em 1991 entre Ancara e os dois principais
partidos curdos do Iraque, o KDP
(Partido Democrático do Curdistão) e a PUK (União Patriótica do
Curdistão).
Na ocasião, dias após o fim da
Guerra do Golfo, o governo da
Turquia prometeu suporte para
uma região curda autônoma no
norte iraquiano. Em troca, Massoud Barzani (KDP) e Jabal Talabani (PUK) aceitaram dar segurança ao Exército turco para invadir o Iraque em busca de bases do
PKK (Partido dos Trabalhadores
do Curdistão), que luta por maior
autonomia curda na Turquia.
Hoje, entretanto, Ancara assume publicamente o temor de que
um suposto movimento de independência no país vizinho fortaleça o desejo de autonomia dos 13
milhões de curdos que vivem no
sudeste da Turquia.
Entre 1984 e 1998, curdos do
PKK e tropas turcas travaram
uma sangrenta batalha que causou 30 mil mortes.
Nos últimos anos, para não prejudicar ainda mais sua aceitação
na União Européia, Ancara aumentou os direitos dos curdos, liberando, por exemplo, o aprendizado de seu idioma.
Temor curdo
Enquanto isso, dizendo-se unidos após a sangrenta guerra civil
que travaram em meados dos
anos 90, os curdos iraquianos fizeram questão de dizer na semana passada que não sonham com
a criação de um Estado independente, e sim com autonomia e representatividade após uma eventual queda de Saddam Hussein.
"Os curdos do Iraque nunca demandaram um Estado independente, embora nós hoje usufruamos de uma gestão própria", disse à Agência Folha o assessor de
Relações Internacionais do KDP,
Fawzi Hariri.
A preocupação curda não se resume à ameaça turca. Justificado
por sua própria história recheada
de reveses e arrependimentos, outro temor é ficar sem respaldo do
Ocidente após o confronto.
A dúvida atual recai sobre um
questionamento óbvio: em caso
de queda de Saddam, como esperar que os Estados Unidos e o Reino Unido dêem aos curdos autonomia em uma região rica em petróleo e passagem de rios como
Tigres e Eufrates? Os curdos não
esquecem o apoio dos EUA a Saddam na Guerra Irã-Iraque (1980-88). Sobre os britânicos, a história
registra justamente contra os curdos o primeiro ataque da Royal
Air Force contra uma população
civil, em 1919.
Entre os reveses, o mais recente
ocorreu após a Guerra do Golfo.
Com medo de uma vingança de
Bagdá e abandonados pelo então
presidente dos EUA, George
Bush, os curdos iniciaram um gigantesco êxodo rumo às montanhas turcas e iranianas. A tragédia
só teve fim meses depois, com a
criação das chamadas zonas de
exclusão aérea.
Na mesma época, o acordo com
Ancara ruiu. Os turcos abandonaram o barco e deixaram o KDP e o
PUK à deriva e ainda rompidos
com os curdos da Turquia.
Outra decisão estratégica que
gerou reveses aos curdos iraquianos aconteceu durante a Guerra
Irã-Iraque. Durante o conflito,
eles foram financiados por Teerã,
como forma de manter uma oposição a Saddam dentro do país e
ao mesmo tempo fortalecer as
ações de guerra do aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da Revolução
Islâmica no Irã em 1979.
Em oito anos de batalha, as empolgadas forças curdas se uniram
em diversas oportunidades ao
Exército iraniano para promover
incursões militares contra as tropas de Saddam. Do outro lado, porém, havia os
EUA fornecendo armas
e munições ao Iraque,
que diretamente financiava o poder de fogo
dos curdos socialistas do
Irã, opositores do regime islâmico.
Ao final da guerra, as
desmoralizadas lideranças de KDP e PUK viram
milhares de curdos iraquianos morrerem durante a vingança de Saddam Hussein por meio
de gases tóxicos.
Historicamente, as
formas curdas de negociação têm a seguinte
base: quando o governo -sendo
ele Bagdá, Teerã ou Ancara- está
em uma posição de reconhecimento de suas causas, os curdos
oferecem alianças e baixam suas
armas. Mas quando sentem a fraqueza do regime central, eles
mantêm a ofensiva até que haja
um contra-ataque.
Hoje, no Curdistão iraquiano, a
esperança é de um alinhamento
com o Ocidente sem riscos, para
tirar da memória as fugas em
massa, deportações, aprisionamentos, execuções e genocídios.
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