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Só falta vontade política, diz diretor da FAO
DA REDAÇÃO
"Sabemos muito bem o que fazer, só falta vontade política", diz
o escocês Andrew MacMillan, diretor de operações da FAO, a
agência da ONU para alimentação. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que MacMillan, 59, concedeu à Folha, por telefone, de Roma.
(PDF)
Folha - Apesar de a tecnologia
permitir que agricultores produzam mais alimentos e de a obesidade ter-se tornado um dos principais
problemas de saúde da atualidade,
há mais de 800 milhões de pessoas
desnutridas. Como isso é possível?
Andrew MacMillan - Por causa do
fracasso do mercado. Aqueles que
têm mais necessidade morrem de
fome. Se a pessoa não tiver dinheiro no bolso ou não puder
produzir alimentos por não ter
acesso à terra ou à tecnologia, vai
continuar com fome.
Folha - As metas fixadas pela FAO
e aceitas por mais de 180 países
fracassaram totalmente. Por quê?
MacMillan - Muitas vezes, a fome
está escondida. É fácil arrecadar
recursos quando há um desastre
natural, como um terremoto ou
um furacão, quando as pessoas
são vistas na TV em estado de inanição. Mas, em geral, a fome é invisível. Atinge a casa das pessoas
que, em sua maioria, não têm voz
política. Costuma-se imaginar
que, para reduzir a fome, basta diminuir a pobreza. Trabalhamos
com o raciocínio inverso. Não vemos como progredir se a população não estiver bem alimentada.
Há uma percepção de que lidar
com a fome é uma questão de caridade. Livrar-se da fome faz parte do interesse mais profundo das
nações. Para os países em desenvolvimento, abre as portas para o
crescimento econômico. Para os
desenvolvidos, torna o mundo
mais seguro, menos instável.
Folha - Qual é a prioridade da FAO
atualmente?
MacMillan - Aumentar a produtividade de pequenos agricultores, o que inclui o acesso a recursos naturais, à tecnologia e à infra-estrutura para que possam distribuir a produção. Além de permitir que as pessoas participem do
processo de desenvolvimento,
que tenham acesso imediato à alimentação. Em um primeiro momento, através de cupons de alimentação para os que são excluídos do mercado, por exemplo.
Folha - Um dos objetivos da cúpula é reduzir à metade o número de
pessoas desnutridas. Isso é realista, já que as metas traçadas no último encontro, em 1996, não foram
cumpridas?
MacMillan - Perfeitamente realista. É uma questão de boa vontade. Se pensarmos nos problemas
causados pela malária, na dificuldade de encontrar uma vacina
contra o HIV... São anos e anos de
pesquisas com custos enormes.
Para pôr fim à fome, nada disso é
necessário. Há muita comida no
mundo e meios para produzir
ainda mais. Se quiserem chamar a
fome de doença, tudo bem, a
questão é encará-la. Bastam organização, compromisso financeiro
e persistência. Já fui criticado por
dizer que o fato de a fome existir
se deve basicamente à incompetência ou à negligência. Nós sabemos muito bem o que fazer, só falta vontade política.
Folha - Quantas pessoas morrem
de fome por ano?
MacMillan - Todas as pessoas
morrem. A questão não é essa. O
fundamental é compreender que
a fome torna as pessoas vulneráveis. No sul da África, por exemplo, mais de 10 milhões passam
fome. Por quê? E temos estimativas de custos com morte prematura ou problemas atribuídos à
fome. Giram em torno de US$ 120
bilhões por ano.
Folha - Até que ponto a Aids dificulta o combate à fome?
MacMillan - Dificulta tremendamente. Em alguns países africanos, sobram apenas os mais velhos e os muito jovens. Eu trabalho muito no oeste da África.
Quase uma pessoa em cada três
está infectada em algumas regiões, onde o principal negócio da
comunidade são os funerais.
Folha - A água é um dos principais
questões a enfrentar, não?
MacMillan - Sim, é um enorme
problema. Em muitos dos países
onde atuamos a idéia de ter água
na torneira não significa nada para a maioria das pessoas. Um modelo de tecnologia que examinamos para ajudá-las foi o do Brasil.
São coisas simples. Em vez de andar três quilômetros para pegar
água, se a água for até as famílias,
isso já faz uma diferença imensa.
Folha - Há outras iniciativas?
MacMillan - Diversos programas
melhoram a qualidade da água e o
acesso a ela. Atuamos em países
como a Guatemala para garantir a
segurança alimentar, a qual passa
pela questão da água.
Folha - Que exemplos o sr. considera positivos na redução da fome?
MacMillan - Há vários, como o
de Gana e o da Tailândia, que engajou as comunidades.
Folha - E os negativos?
MacMillan - Um dos piores é o
do Zimbábue, que já teve sucesso
na produção de alimentos - não
do ponto de vista nutricional-,
mas já isso faz tempo. É lógico que
parte da questão se deve ao problema da terra, aos latifúndios, o
que também acontece no Brasil. E
os zimbabuanos também tiveram
azar com o clima.
Folha - Os transgênicos podem
ajudar nessa luta contra a fome?
MacMillan - Não precisamos deles neste momento. Temos amplos meios para lidar com a fome
sem eles, mas, se os cientistas desenvolverem algo que possa dar
uma mão nesse combate, eu não
vejo por que alguém se oporia,
desde que isso fosse seguro. Há
uma diferença muito grande, do
ponto de vista tecnológico, entre
o que pode ser feito e aquilo a que
os agricultores têm acesso. Não é
urgente o uso de transgênicos.
Mas, no futuro, eles poderiam ser
úteis se permitissem que as plantações necessitassem de menos
água, por exemplo.
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