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EUA
Americanos sem religião iniciam movimento para defender direitos que dizem estar ameaçados pela onda conservadora
Ateus se unem para "sair do armário"
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os Estados Unidos têm 290 milhões de habitantes. Ao menos 27
milhões declaram não ter religião.
Mas essa sólida minoria dificilmente toma a decisão de "sair do
armário" para discutir em público suas convicções.
Mantém-se discreta em razão
do sentimento dominante de forte religiosidade. Um exemplo: nenhum dos 50 governadores, cem
senadores ou 435 deputados cometeria o suicídio eleitoral de, se
fosse o caso, assumir-se publicamente como agnóstico ou ateu.
A novidade é que há cinco meses esse grupo disperso começou
a se articular pela internet. Montou uma rede, horizontalizada,
sem chefias ou ortodoxia fixada
em manifesto. Lançou um site
(www.the-brights.net).
Paul Geisert, 72, professor aposentado de biologia na Universidade de Wyoming, é co-fundador
do movimento com sua mulher,
Mynga Futrell, 59. Seguiram o
exemplo dos homossexuais, que,
a partir dos anos 80, ganharam
respeitabilidade e identidade coletiva ao se autodenominarem
"gays" (alegres, felizes).
Sai ateu, entra "bright"
Em lugar de se definirem como
"godless" (sem-Deus), ateus ou
agnósticos, expressões de raiz negativa, tentam designar o grupo
com a palavra "bright" (inteligente, brilhante), usada apenas como
substantivo e não para adjetivar.
A iniciativa aparentemente responde a uma demanda reprimida
no mundo americano das idéias.
No começo de julho, o "New York
Times" publicava o primeiro longo ensaio de um bright, no caso o
filósofo Daniel Dennett, professor
da Universidade Tuffs, de Boston,
em ciências cognitivas e inteligência artificial.
Ele propunha em seu texto a
unificação de pessoas dispersas
para a defesa de direitos que estão
na raiz da própria história norte-americana. Entre eles, a separação
entre igreja e Estado, a seu ver
ameaçada pelo integrismo cristão
professado pelo círculo que gravita em torno de George W. Bush.
São brights cerca de 60% dos
cientistas do país e 93% dos integrantes de sua Academia Nacional de Ciências. Teriam convicções para fazer parte do grupo o
cineasta Woody Allen, o dramaturgo Arthur Miller, os ensaístas
Gore Vidal e Noam Chomsky, o
empresário Bill Gates e estrelas
como Jodie Foster, Jack Nicholson e Angelina Jolie.
Detalhe importante: nenhum
desses nomes vestiu a roupa do
militante agnóstico. Não fazem
proselitismo porque, reconhecem
os brights, seria por enquanto dar
murro em ponta de faca.
Paul Geisert disse à Folha não
haver propriamente repressão
contra os que enxergam Deus como um fenômeno cultural, acreditam no evolucionismo de Charles Darwin e não na versão bíblica
do surgimento do ser humano.
"O que há é um clima de hipocrisia, pelo qual um racionalista e agnóstico não é eleito nem para a
Associação de Pais e Mestres de
uma escola secundária, muito
menos para uma cadeira do Congresso."
A maneira teológica com que o
presidente Bush interpreta o que
ocorre no planeta ("bem contra o
mal") funcionou, segundo Geisert, como um estímulo para que
muitos assumissem de modo
aberto o materialismo até agora
professado como questão de foro
íntimo. Eles não querem ser confundidos com as crenças mais
simplistas de um político que cita
Deus e a Bíblia com frequência
em seus discursos e que teria até
afirmado a alguns interlocutores
que acredita ocupar a Presidência
para cumprir uma missão divina.
Há na recente história norte-americana um grupo chamado
American Atheist (ateu americano), criado em 1963 e que jamais
cresceu. Tinha e tem como objetivo convencer os americanos da
inexistência de Deus.
Os brights não querem trilhar o
mesmo caminho. Têm aliás, segundo Geisert, alguns cristãos
"racionalistas" entre suas primeiras adesões. O que os diferencia
dos religiosos é a crença no primado da ciência e da razão.
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