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OPINIÃO
Ação no Iêmen é o "tiro limpo" de Bush
ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT"
"Um tiro limpo" foi a revoltante
descrição do "Washington Post"
para o assassinato dos líderes da
Al Qaeda no Iêmen por uma aeronave não-tripulada Predador.
Com aprovação servil, a imprensa dos EUA utilizou a descrição apresentada por Israel para
assassinatos como este - "targeted killing" (assassinato seletivo,
numa tradução livre). E a BBC deveria se envergonhar de ter imitado essas palavras na quarta-feira.
Que tal um pouco de liberdade
jornalística? Como perguntar se
os suspeitos não poderiam ter sido presos. Ou julgados num tribunal aberto. Ou, ao menos, ter
sido levados à baía de Guantánamo para interrogatório.
Em vez disso, os americanos
soltaram um bando de "suspeitos" de Guantánamo. Um dos
quais, ficamos sabendo agora
-após ele ter ficado 11 meses em
confinamento solitário-, tem
cerca de cem anos e está tão senil
que não é capaz de articular uma
frase. Isso é a "guerra ao terror"?
Mas um "tiro limpo" é aparentemente o que o presidente Bush
quer conseguir na ONU. Primeiro, forçou-a a adotar uma resolução [aprovada por unanimidade
na sexta-feira" sobre a qual o Conselho de Segurança possuía as
mais graves reservas.
Depois, ele advertiu que poderia
destruir a integridade da ONU ao
ignorá-la totalmente. Em outras
palavras, ele quer destruir a ONU.
Será que George Bush percebe
que os EUA foram os principais
criadores dessa instituição, assim
como fizeram com a Liga das Nações durante o governo do presidente Woodrow Wilson?
"Assassinato seletivo" -cortesia da administração Bush- é
agora o que o premiê israelense,
Ariel Sharon, pode chamar de
"prática de guerra legítima". E
Vladimir Putin também.
Agora os russos estão falando
em "assassinatos seletivos" em
sua guerra na Tchetchênia. Após
o desastroso "resgate" dos reféns
do teatro de Moscou, Putin é
apoiado por Bush e pelo premiê
britânico, Tony Blair, em seu
massacre do povo muçulmano da
Tchetchênia.
Sou um cético crítico da mídia
americana, mas, no mês passado,
a revista "Newsweek" publicou
uma brilhante reportagem sobre
a guerra tchetchena. Num relato
profundamente comovente da
crueldade russa na Tchetchênia,
contou a história de uma operação do Exército russo num desprotegido vilarejo muçulmano.
Soldados russos arrombaram
uma casa e atiraram em todos que
ali estavam. Uma das vítimas era
uma garota tchetchena. Enquanto
ela morria em decorrência dos ferimentos, um soldado começou a
estuprá-la. "Vai rápido, Kolya",
gritou um amigo seu, "enquanto
ela ainda está quente".
Tenho, agora, uma questão. Se
você ou eu fosse o marido, o
amante, o irmão ou o pai daquela
garota, não estaríamos preparados para tomar reféns num teatro
de Moscou? Mesmo se isso significasse -como significou- que
seríamos executados com um tiro
na cabeça como foram as sequestradoras tchetchenas?
Mas isso não importa. A "guerra contra o terror" significa que
Kolya e os rapazes estarão agindo
de novo em breve, cortesia dos senhores Putin, Bush e Blair.
Deixe-me usar as palavras daquele bravo israelense, Mordechai Vanunu, o homem que tentou alertar o Ocidente da enorme
tecnologia nuclear de Israel, preso
numa solitária por 12 anos. Num
poema que escreveu na prisão,
Vanunu disse: "Sou o escriturário, o técnico, o mecânico, o motorista. Eles disseram: "Faça isso,
não faça aquilo, não olhe para a
esquerda nem para a direita, não
leia o texto. Não observe a máquina toda. Você só é responsável
por esse único parafuso, esse único carimbo'".
Kolya teria entendido isso. Assim como o oficial da Força Aérea
dos EUA que "pilotava" a máquina que matou os homens da Al
Qaeda no Iêmen. Assim como o
piloto israelense que bombardeou um edifício em Gaza, matando nove crianças assim como
o seu alvo do Hamas, numa "operação" descrita por Ariel Sharon
como "um grande sucesso".
Nos dias de hoje, todos acreditamos em "tiros limpos". Gostaria
que Bush pudesse ler a história.
Não apenas a história colonial britânica, na qual utilizamos gás
contra os curdos do Iraque nos
anos 30. Não apenas o apoio de
seu próprio país a Saddam Hussein durante a guerra com o Irã.
Os iranianos editaram certa vez
um livro devastador com fotos
coloridas das bolhas dos ferimentos causados pelo gás em seus soldados na guerra. Olhei novamente essas fotos nesta semana. Se vocês fossem esses homens, gostariam de morrer. Todos eles morreram. Gostaria que alguém lembrasse a Bush de Lawrence da
Arábia, que dizia que "fazer guerra ou rebelião é complicado como
tomar sopa com uma faca".
Espero que não cometamos crimes de guerra no Iraque. Haverá
muitos deles para observarmos,
mas gostaria de crer que a ONU
possa conter George Bush e Vladimir Putin e Tony Blair. Mas
uma coisa é certa: Kolya estará
com eles.
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