|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EUA NO DIVÃ
Cresce no país o debate intelectual sobre seu papel no mundo e sobre o que fazer com a imensa força de que dispõe
Americanos tentam entender seu império
HELOISA PAIT
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Os americanos discutem hoje o
papel dos Estados Unidos na ordem internacional como não o faziam no mínimo desde a Guerra
do Vietnã (1965-75). É um debate
que envolve os "think tanks" (institutos de estudos) conservadores, as revistas especializadas, a
esquerda universitária e a imprensa em geral, e que repercutirá
na eleição presidencial.
O 11 de Setembro, a intervenção
no Afeganistão e os fracassos no
Iraque mostraram ao americano
médio a complexidade da política
internacional e os deixaram sensíveis às opiniões internacionais sobre seu país e seu governo.
Voltou ao debate político um
termo anteriormente de cunho
pejorativo, "império". Durante a
Guerra de Secessão (1861-1865), o
sul acusava o norte de exercer
uma posição imperialista como a
dos europeus, e em épocas mais
recentes a esquerda denunciou o
imperialismo americano. Agora,
o império ressurge em suas várias
denominações: o império "lite",
do escritor Michael Ignatieff, que
se engaja em ações humanitárias,
o "império da liberdade", do historiador britânico Paul Johnson, e
o "império informal", do também
historiador britânico Niall Ferguson. Mas os EUA são um império?
Quais suas armas, seus aliados, e
seus objetivos?
O neoconservador Richard Perle, até recentemente consultor do
Pentágono, articula a visão que levou o presidente George W. Bush
a essa segunda intervenção no
Iraque. Os EUA, diz ele, têm de
entrar batendo em regimes que
alimentam o terror com fracasso
econômico e opressão política: já
foi a vez do Iraque e do Afeganistão, a Líbia pediu água, e agora é
esperar para ver como a Síria, o
Irã e a Arábia Saudita reagem. Para Perle, os EUA devem contar
mais com reformas em suas agências de inteligência do que com a
ONU ou com falsos aliados como
a França. Mas dá pra agir sozinho?
O professor de Harvard Joseph
Nye, subsecretário da Defesa durante o governo Bill Clinton
(1993-2001), diz que é um erro
chamar os EUA de império, pois o
poder moderno reside principalmente em fluidas teias transnacionais de comunicação, onde os
EUA não são hegemônicos. O Império Britânico tinha controle direto sobre as colônias, mas hoje é
preciso exercer o poder com outros governos e com novas formas
de organização globais.
O professor e ativista político
Benjamin Barber vai além e diz
que os EUA lutam a guerra errada, combatendo o fundamentalismo islâmico com o materialismo
desenfreado que o alimenta (leia
entrevista abaixo). Numa linha
também cautelosa vai o experiente diplomata Zbigniew Brzezinski, alertando sobre a perda de liderança moral dos EUA com
ações unilaterais.
O neoconservador Robert Kagan, do Carnegie Endowment for
International Peace, se aproxima
desse campo cauteloso dizendo
que o motivo principal da colaboração entre os EUA e a Europa está no próprio público americano,
que não aceitará o custo econômico e humano de intervenções militares se estiverem sob críticas
das democracias liberais.
Opinião semelhante tem o historiador Ferguson, para quem os
americanos precisam dos europeus na reconstrução de nações
que submergiram no caos e no totalitarismo. "Se depois de seis meses os americanos ficam entediados e querem voltar para o Alabama, alguém tem de ficar no lugar
deles" (leia entrevista abaixo).
Já o sociólogo Michael Mann
acha que os EUA deveriam simplesmente levar as reivindicações
de Bin Laden a sério e retirar suas
bases dos países árabes. Para
Mann, o problema todo reside
nos EUA. Para Perle, a solução toda reside nos EUA. São posições
extremas, à esquerda e à direita,
que tendem a ficar na margem do
debate nacional, à medida que os
americanos percebem a necessidade de cooperação internacional
num mundo globalizado.
Texto Anterior: Grupo ameaça mutilar americano Próximo Texto: "Império informal" é solução para crises, afirma historiador britânico Índice
|