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PÁTRIA OU MORTE
Usada para justificar os sacrifícios, a expectativa pelo futuro é superada pela sensação de que ele jamais virá
Cubanos cansam de esperar por "mañana"
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE HAVANA
Reprimidos pelo aparelho do
Estado, os dissidentes cubanos vivem isolados, desconhecidos pela
população, apesar do avanço da
temática democrática e da rejeição da mística revolucionária. As
conversas reservadas revelam o
sufocamento da liberdade de expressão, assim como a ausência
de partidos ou eleições livres.
Mas é ainda mais ao nível das liberdades econômicas que as dificuldades se fazem sentir. As limitações ao direito de propriedade
não têm mais razão de ser, e a
quase inexistência da liberdade de
empreender é sentida como uma
injustiça. A suspensão da concessão de licenças, o nível absurdo
dos impostos e o assédio a que são
submetidos os ""cuentapropistas"
(pessoas que trabalham por conta
própria) pelos inspetores levaram
à reavaliação do espaço que Fidel
Castro pretende criar para as atividades econômicas privadas.
Aos olhos de todos, o monopólio
do Estado virou símbolo de
opressão e ineficiência.
Além disso, a maioria da população rejeita a grandiloquência
dos valores revolucionários. O espírito de sacrifício em nome de
um ideal pisoteado sem dó por
aqueles que deveriam defendê-lo,
tudo isso causou o cansaço das
pessoas que, ao longo das últimas
quatro décadas, não só não viram
seus sonhos se realizarem, como
nem sequer conseguiram retocar
a pintura do banheiro.
O desinteresse do bom revolucionário se torna alvo de ridículo,
e a ""rejeição dos bens materiais"
perde sentido quando a penúria é
tamanha que toda a renda familiar tem de ser dedicada à alimentação. A quebra de uma geladeira
que já sobreviveu a dez presidentes americanos é uma possibilidade que apavora muitas famílias.
""Mañana", o futuro mencionado pelos dirigentes para justificar
os sacrifícios do presente, deu lugar na cabeça das pessoas a uma
vida vivida de um dia para o outro
e a um discurso que repete, resignado, que não há futuro. Quer dizer que a mudança em Cuba seria
apenas questão de mobilização e
tempo? Nada poderia ser menos
certo, quando é a própria noção
de futuro que não faz mais sentido e quando o medo e a incoerência restringem a formulação de
um projeto político alternativo.
As notícias internacionais veiculadas em Cuba dão destaque
aos países ex-comunistas. O destaque é dado à existência de vasta
corrupção, à hegemonia das máfias, à decadência econômica e,
sobretudo, à pobreza galopante.
O programa diário ""Mesa Redonda" -no qual os participantes têm a particularidade de sempre concordarem em tudo- pinta o retrato de uma América Latina vitimada pela miséria, o narcotráfico, a prostituição infantil, a
insegurança e a violência, fazendo
contraste com índices que mostram o avanço de Cuba em saúde
e educação. Sem terem chegado a
conhecer a democracia, os cubanos já vivem a ""desilusão democrática". A segurança é o primeiro
dos direitos humanos, e o homem
comum diz apreciar a ""liberdade": ""Poder andar pela rua ou deixar seus filhos brincarem em
qualquer lugar, sem medo de que
acabem sendo sugados por uma
rede de prostituição". Para a
maioria da população, o fim do
regime de Fidel seria o fim da ordem, a chegada do submundo, do
caos e da desigualdade.
Mais ainda, a propaganda revolucionária forjou a história de Cuba à imagem de um povo em luta
por sua independência, pela
igualdade e a justiça social. Essas
conquistas, eternamente frustradas por uma potência estrangeira,
teriam finalmente sido garantidas
pela revolução. A própria ""cubanidade" se confundiria com esses
valores, e os cubanos continuam a
acreditar que os EUA querem se
apropriar da ilha ou, pelo menos,
impor seus interesses. A ambiguidade também cerca o papel dos
cubano-americanos, imaginados
sempre dispostos a reivindicar
bens que lhes foram confiscados.
Enfim, como todo problema
pessoal corre o risco de ser prolongado por um ato de delação, a
preocupação de não criar inimigos foi preservada. Além disso,
muitos acham que o regime atual
contém a violência que poderia
ser provocada pelos negros, ao
mesmo tempo em que preserva
os bairros marginais de explosões. Tudo isso contribui para fazer as pessoas temerem o caos que
poderia irromper se o regime de
Fidel, tão coercivo quanto tranquilizador, deixasse de existir.
O tempo está suspenso, aguardando o desaparecimento do
""Barba", mais ainda porque seu
substituto previsto não chega a
dissipar nenhuma incerteza: seu
sucessor designado, Raúl Castro,
é quase tão velho quanto ele e, aos
olhos de todos, muito menos inteligente e respeitado. Sobre a linha
revolucionária, os rumores designam um favorito. Mas, paradoxalmente, essa linha é conhecida
só por Fidel. É esse fato que explica o imobilismo político de Cuba.
(FELIPE ROQUE)
Tradução de Clara Allain
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