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São Paulo, domingo, 11 de maio de 2003

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ELEIÇÕES NA ARGENTINA

Provável derrota enterra volta "gloriosa" à Presidência

Carisma de Menem parece ter se esgotado

GUSTAVO CHACRA
DA REDAÇÃO

A Argentina adora cultuar seus mitos. San Martín, Facundo Quiroga, Juan Domingo Perón, sua mulher Evita, Carlos Gardel e Diego Maradona. Na história do país, muitos outros tentaram alcançar o mesmo patamar, mas acabaram malogrando.
Um deles, no entanto, sonha quase desde a infância com esse lugar no pedestal: Carlos Menem. E a eleição presidencial do próximo domingo, com o resultado já praticamente certo, demonstra que o homem que por mais tempo governou a Argentina, entre 1989 e 99, superando inclusive Perón, fracassou no intento. O ex-presidente deve ser derrotado.
"Seu semblante nas últimas aparições não é o mesmo. Parece que tomou formol para ficar vivo", diz a escritora Silvina Wargen, autora do livro "Pizza con Champán; Crónica de la Fiesta Menemista", sobre o primeiro mandato de Menem, 72.
Seu poder de sedução e seu carisma parecem estar se esgotando. "Ele era quase messiânico", diz Wargen. "Uma pessoa extremamente inteligente, mas que usava a inteligência para o mal."
Para o analista político Ricardo Rouvier, "Menem acredita realmente que tem uma capacidade superior à dos outros seres humanos". Isso torna ainda mais dolorosa a derrota para ele.
Ainda assim, a situação de Menem hoje, na avaliação de Rouvier, é melhor do que se imaginava há algum tempo, quando ele esteve detido sob a acusação de tráfico de armas para o Equador e para a Croácia. "Apesar da derrota política, terá uma votação expressiva, se for levado em conta o seu passado recente", avalia Rouvier. Wargen acredita que, se a economia do país não tivesse melhorado nos últimos meses, com o controle da inflação e a relativa estabilidade da moeda, Menem poderia até mesmo vencer.
"Parte da classe média ainda crê que os anos Menem tenham sido bons", afirma. "Além disso, Menem encarna bem a imagem do argentino que faz qualquer coisa para atingir seus objetivos." Rouvier concorda. "Menem representa tudo o que há de negativo no imaginário sobre os argentinos: a picardia, a astúcia, a habilidade para manobrar as pessoas."
Sem condições de se tornar um mito, ainda não se sabe como Menem será lembrado pela história. Sua trajetória o coloca sem dúvida como a mais importante figura política da Argentina desde a morte de Perón, em 1974.
Filho de imigrantes sírios, de religião muçulmana, posteriormente convertido ao catolicismo, estudou direito em Córdoba e, graduado, voltou à sua longínqua e pequena Província de La Rioja para fundar a Juventude Peronista local. Nos anos 70, elegeu-se governador. Mas o golpe militar em 1976 o levou para a prisão.
Solto e com o restabelecimento da democracia, em 1983, voltou ao governo de La Rioja e se reelegeu. Em 1989 se elegeu presidente. Mal vestido, com suas costeletas, seu sotaque caipira, seus ternos coloridos, Menem chegou com seu charme e suas amantes ao poder com o desafio de eliminar a hiperinflação que assolava o país.
E, três anos mais tarde, com o câmbio fixo e uma política de privatizações, conseguiu acabar com o fantasma da inflação. Até 1994, o país teve crescimento. No ano seguinte, a crise mexicana mostraria o outro lado da era Menem. O desemprego cresceu. E surgiam duras acusações de corrupção.
No âmbito familiar, estava separado de sua mulher, a síria Zulema, inconformada com a morte de seu filho Carlito. Ela acredita que Menem esconde o verdadeiro motivo do acidente de helicóptero que matou o jovem.
Após entregar o poder a De la Rúa, Menem se casou novamente, com a ex-Miss Universo chilena Cecilia Bolocco, viu seu plano de conversibilidade arrasar o país e teve decretada prisão domiciliar. Posto em liberdade, decidiu disputar a Presidência.
"Ele provocou, sem dúvida, uma grande mudança: fez com que a Argentina deixasse de ser estatizada", afirma Wargen. "A única certeza é que estará nos livros de história", diz Rouvier.


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