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ARGENTINA
Em quarto nas pesquisas, Luis Zamora declara que "é hora de confrontar o Fundo" e atrai eleitores da classe alta
"Candidato dos ricos" quer romper com FMI
DE BUENOS AIRES
O deputado comunista Luis Zamora é o argentino que melhor
sustentaria a tese de que a crise
econômica ressuscitou antigos
movimentos de esquerda na
América Latina, como escreveu o
jornal britânico "Financial Times" há duas semanas.
Quarto lugar nas pesquisas de
intenção de voto para a Presidência, Zamora, 54, defende a ruptura com o FMI (Fundo Monetário
Internacional). Em um país arrasado pela maior crise econômica
de sua história, as propostas do
deputado passaram a ser levadas
a sério inclusive pelas classes mais
altas da população, onde estão
concentrados seus eleitores.
"Algo novo está surgindo na
América Latina", diz Zamora.
Parte de sua popularidade se deve
à imagem de honestidade que
construiu. Em 1993, abriu mão da
aposentadoria a que teria direito
como ex-deputado. Para sobreviver, chegou a vender livros de
porta em porta.
Hoje, de mandato novo, doa
parte do salário para o partido
-Autodeterminação e Liberdade, fundado por ele mesmo. Diz
possuir como únicos bens um
carro ano 1994 e uma casa. "Ainda
está hipotecada, mas terminarei
de pagar em três anos", explica
Zamora, que recebeu a Folha em
seu gabinete na Câmara. No local,
há apenas um aparelho eletrônico, o telefone, em meio a pilhas de
papéis e livros. Também há um
computador, que não funciona.
"A deputada que me antecedeu
levou o disco rígido quando acabou seu mandato."
(JOÃO SANDRINI)
Folha - Por que a economia argentina entrou em colapso?
Luis Zamora - Desde 1976, os civis e militares que governaram a
Argentina aceitaram políticas
destrutivas para o país, que levaram à nossa recolonização. Permitiram que milhões de dólares
fugissem por distintas vias: pagamento da dívida externa, remessas de lucros ao exterior... E o que
sobrou? Quase nada. E agora vem
a Alca [Área de Livre Comércio
das Américas" para levar o resto.
Folha - A recuperação passa pelo
acordo com o FMI?
Zamora - Crer que o FMI possa
ajudar a Argentina é uma idéia errada. Percorremos esse caminho
nos últimos 25 anos, e o que conseguimos? Um número recorde
de 19 milhões de pobres. Não é o
suficiente para percebermos que a
saída não está em acordos com o
FMI? É hora de confrontar o FMI.
Não podemos reconhecer a dívida externa.
Folha - Nesse caso, não haveria
uma fuga maior de capital, prejudicando a recuperação argentina?
Zamora - O maior problema da
Argentina e de toda a América Latina não é receber capital estrangeiro, mas impedir que nossa riqueza fuja para o exterior. A Argentina pagou US$ 225 bilhões
em juros nos últimos 20 anos.
Não há país que aguente isso.
Folha - Após uma hipotética ruptura com o FMI, como a Argentina
voltaria a crescer?
Zamora - Já destinamos neste
ano mais de US$ 3 bilhões para
pagar a dívida externa. Em vez de
esse dinheiro ir embora, que fosse
emprestado aos empresários para
comprarem máquinas e produzir.
E, depois, que houvesse a reforma
agrária. Arrendar terras públicas
e privadas improdutivas. Triplicaríamos a produção, haveria emprego, exportação, comida e reativação da economia.
Folha - Falar em exportações não
seria subestimar a reação mundial
contra o rompimento de contratos?
Veja Cuba...
Zamora - É impossível que todos
os países do mundo respeitem
embargos. O capitalismo busca
vendas, negócios. Reconheço que
o capitalismo também tem princípios políticos gerais que não podem ser subestimados. Será um
caminho muito duro. Mas que
outro caminho há? Não existe
com o FMI discussão sobre emprego, salários, alimentação infantil, desenvolvimento. O que há
é um plano de austeridade para
assegurar um superávit fiscal que
seja suficiente para pagar os juros.
Folha - O FMI também discute assuntos como o fim do "corralito
[nome dado para o congelamento
dos depósitos bancários", não?
Zamora - O FMI defende uma
solução errada para o problema.
Os bancos deveriam honrar os
depósitos dos correntistas, mas o
FMI quer obrigar o governo a arcar com esses custos. Se os bancos
não honram os depósitos, que sejam liquidados. Esse dinheiro que
o governo gastou ajudando bancos deveria garantir emprego e
comida para a população. Mas o
governo insiste em usar os recursos apenas para pagar dívida. A
América Latina está toda assim.
Folha - Talvez porque ninguém
veja uma saída para a situação...
Zamora - Por isso temos de nos
integrar. A Argentina sozinha não
consegue. Também deve haver
disposição de Brasil, Paraguai,
Bolívia para construirmos um
projeto para a América Latina.
Vejo protestos contra privatizações no Paraguai. A esquerda chegou ao segundo turno na Bolívia.
Se Lula ganhar no Brasil, a América Latina será sacudida.
Folha - O sr. acredita que o governo de Lula venha a ser um sucesso?
Zamora - Isso importa menos.
Sua vitória já daria um estímulo
para a luta popular em outros países, porque não seria visto por
ninguém como um triunfo dos
EUA. O que todos vão ver é que o
maior país da América Latina está
sendo governado por trabalhadores. Vejo algo novo surgindo na
América Latina.
Folha - Qual a sua opinião sobre a
Alca?
Zamora - A Alca é o fim dos países latino-americanos, vai nos levar à estrangeirização total. Precisamos de nova Constituição para
discutir um projeto de país, soberania, integração regional e confrontação com os EUA, com o capitalismo. Estamos passando por
uma revolução intelectual.
Folha - Qual?
Zamora - Uma que começou nos
dias 19 e 20 de dezembro, quando
milhares de argentinos saíram às
ruas espontaneamente para pedir
a renúncia de De la Rúa. Ninguém
sabia aonde ia, mas, de repente,
estavam todos na praça de Maio.
Foi lindo.
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