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Governo de Lula acerta ao utilizar
diplomacia mais ativa, diz analista
OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO
O governo Lula começa bem ao
buscar uma diplomacia mais ativa, mas deve fazer isso com realismo, servindo de ponte entre os
países mais desenvolvidos e as nações em desenvolvimento. É o
que diz Ricardo Seitenfus, 54,
professor do mestrado em integração latino-americana da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (RS).
Em relação à crise venezuelana,
Seitenfus acha que o Brasil deve
atuar, junto com outros países,
para impedir que o conflito entre
o presidente Hugo Chávez e a
oposição desemboque numa
guerra civil. "Nem o Brasil nem os
EUA podem ficar de fora", diz.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Folha - Como o sr. analisa os primeiros passos da diplomacia do governo Lula?
Ricardo Seitenfus - Está sendo
auspicioso porque o governo está
tendo uma atitude ativa no cenário internacional. O Brasil começa
a atuar como um país insatisfeito
diante das condições das relações
internacionais, onde há três quartos da humanidade em situação
difícil e metade em situação de
marginalidade ou miséria.
Vejo uma proposta de discutir
essas questões, mas com realismo. Há, por exemplo, realismo na
provável ida do presidente ao Fórum Social Mundial, em Porto
Alegre, e ao Fórum Econômico
Mundial, em Davos [Suíça".
O Brasil quer fazer algo que
nunca foi feito, um diálogo entre
esses dois mundos. Quer ser uma
ponte.
Também achei interessante a
nomeação para o Ministério das
Relações Exteriores de Celso
Amorim, um diplomata muito
respeitado, e, ao mesmo tempo, a
indicação para a secretaria executiva do órgão de Samuel Pinheiro
Guimarães [ex-diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty, demitido
em 2001 pelo então ministro Celso Lafer por manifestar posição
diferente da do Itamaraty em relação à Área de Livre Comércio das
Américas". Ele tem um perfil
completamente diferente, é hoje o
diplomata que mais representa
uma ruptura com o governo anterior. Alguns verão contradição
nesse jogo sutil. Eu vejo realismo.
Folha - E qual é sua opinião sobre
uma eventual intervenção do Brasil na crise da Venezuela?
Seitenfus - Nos primeiros meses
de seu governo, em 1999, o presidente Hugo Chávez chamou um
plebiscito para mudar a Constituição. Como democrata, condeno isso porque se moldou uma
Constituição à imagem do presidente.
É democrático? É, pois a nova
carta foi submetida a plebiscito.
Mas é muito difícil um presidente
que acaba de ser eleito não conseguir mudar a Constituição dessa
maneira. Acho que ele explorou
uma situação propícia.
Quando houve uma reorganização da oposição, ocorreu o chamamento, tanto pela oposição
quanto pela situação, das massas
às ruas.
É algo perigoso, que pode desembocar numa guerra civil. Em
certas situações, a comunidade
internacional tem o dever de intervir. Foi o caso de Ruanda, onde
houve o genocídio de mais de 1
milhão de pessoas.
Folha - Mas em Ruanda ocorria
um massacre. É outro caso.
Seitenfus - Não é outro caso porque a Venezuela poderá viver
uma guerra civil. E guerra civil é
Kosovo, é Ruanda, mesmo que,
no caso, não tenha aspectos étnicos e religiosos. A comunidade internacional precisa agir preventivamente. Tem de ter condições
de, se for o caso, impor a paz.
Folha - O que o Brasil poderia fazer? O primeiro passo de Lula em
relação à Venezuela -quando
apoiou, ainda antes de tomar posse, o envio de um petroleiro ao
país- foi criticado pela oposição
venezuelana. Lula é visto como
pró-Chávez.
Seitenfus - O Brasil terá de encontrar uma fórmula que lhe dê
credibilidade. Será uma prova de
fogo para essa diplomacia mais
ativa.
Seria muito importante que o
Brasil convencesse Chávez de que
ele cometeu, do ponto de vista da
democracia, um ilícito. Ele precisa
aceitar que deu um autogolpe
constitucional em 1999. Por outro
lado, precisamos atuar para que
não ocorra uma guerra civil.
Folha - Como o sr. vê a criação
desse "grupo de amigos da Venezuela", uma idéia proposta pelo
Brasil e que, segundo o jornal "The
Washington Post", poderia ser encampada pelo governo dos EUA?
Não seria melhor que a OEA (Organização dos Estados Americanos)
continuasse conduzindo sozinha
essa mediação?
Seitenfus - Esse grupo não poderia excluir nem o Brasil nem os
Estados Unidos. Quanto à OEA, o
órgão possui apenas instrumentos de dissuasão verbal. Já um
grupo de países teria por trás Estados, forças econômicas, Forças
Armadas. Teria outro peso.
Folha - Em seu primeiro dia no governo, Lula almoçou com Hugo
Chávez e jantou com Fidel Castro
[ditador cubano", ambos chefes de
Estado com relações difíceis com os
EUA. O governo começa a sinalizar
que terá uma política de enfrentamento com o governo americano?
Seitenfus - Acho que não. A formação do governo, a política econômica, a continuidade da negociação da Alca, tudo mostra que o
Brasil não está enfrentando os
EUA, mas que tem uma postura
diferente em questões internacionais.
Acho que esses encontros iniciais do Lula têm uma simbologia
no plano da imagem. Mas não há
ruptura no conteúdo, como seria
o caso se houvesse uma moratória
da dívida externa.
Folha - Que simbologia?
Seitenfus - É como se o governo,
mesmo que ainda não tenha essa
percepção tão clara, quisesse dizer: "Nós não estamos satisfeitos
com a ordem internacional tal como ela se apresenta, queremos
propor um diálogo internacional,
colocar frente a frente os que estão à margem da globalização e
aqueles que estão incluídos".
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