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Longevidade da greve empurra protagonistas da crise à negociação
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
O relativo sucesso da greve comandada pela oposição da Venezuela, que já se arrasta por mais de
40 dias, torna o desfecho da crise
política uma incógnita cada vez
maior. Para analistas consultados
pela Folha, há um risco crescente
de violência, o que pressiona os
atores da crise a negociar uma solução pacífica.
"Uma saída negociada é a única
satisfatória para todas as partes",
diz Larry Birns, diretor do Conselho de Assuntos do Hemisfério,
de Washington. "A pressão da
oposição para que o presidente
Chávez renuncie é uma ameaça à
democracia venezuelana."
Para Birns, apesar de Hugo
Chávez ter adotado uma política
de "cão raivoso", polarizando a
sociedade, tratando a oposição
como "escória" e gerando muitos
inimigos ao mesmo tempo, ele
vem respeitando, como presidente, os preceitos democráticos.
Por isso, para ele, a posição adotada pela oposição, com declarações que beiram "o fim justifica os
meios", pode levar a uma situação
não-institucional, que poria a
perder o "reservatório democrático" mantido pela Venezuela ao
longo das últimas décadas.
"Nos anos 70, o presidente [dos
EUA" Jimmy Carter [1977-1981"
era muito impopular, mas isso
não significava que ele deveria ser
derrubado ou forçado a renunciar", afirma.
Posição semelhante é defendida
por Teodoro Petkoff, ex-guerrilheiro de esquerda e atual diretor
do jornal "Tal Cual", de Caracas,
considerado parte da "oposição
lúcida" do país. "Uma saída negociada é a única saída pacífica possível, porque deixa vivos todos os
protagonistas", diz.
Em sua avaliação, se Chávez
aceitasse hoje, na mesa de diálogo
mediada pela OEA (Organização
dos Estados Americanos), a antecipação das eleições presidenciais
ou a realização de um referendo,
poderia ter uma "saída honrosa".
"Apesar de a maioria da população venezuelana estar contra Chávez, ele ainda tem uma importante base de apoio, o que não é conseguido por nenhum membro da
oposição individualmente", diz.
"Com uma saída eleitoral, Chávez poderia continuar sendo a
mais importante força política do
país ou até mesmo, eventualmente, ganhar as eleições", afirma.
"Para Chávez e para o país, essa é
a saída mais viável", diz.
A analista política Francine Jácome, diretora do Instituto Venezuelano de Estudos Sociais e Políticos, vê com pessimismo a possibilidade de um acordo na mesa de
diálogo em razão da intransigência que as duas partes têm manifestado, mas considera que as circunstâncias podem mudar.
"Acho que tudo dependerá da
decisão que tome a Suprema Corte sobre a legalidade da realização
de um referendo no dia 2 de fevereiro, pedido pela oposição", diz
ela, para quem uma decisão favorável a uma das partes poderia levar a outra a ceder. Para ela, a realização do referendo a partir de
agosto, como defende o governo
com base no que prevê a Constituição, tem poucas chances de ser
aceita pela oposição e pode esconder uma estratégia do governo.
"O processo para o referendo
começaria em agosto, mas o governo pode conseguir jogá-lo para janeiro ou fevereiro de 2004,
com alguns procedimentos burocráticos", diz ela. "Segundo a
Constituição, se Chávez for tirado
do cargo por um referendo após
quatro anos de mandato [a serem
completados em janeiro do ano
que vem", a gestão deverá ser concluída pelo vice [José Vicente
Rangel". Assim, não haveria eleições antecipadas", afirma.
Violência
O espectro da violência no caso
de um fracasso das negociações é
o que mais assusta os analistas.
"Apesar da falta de avanços, a
perspectiva de um acordo existe,
mas, se o diálogo fracassar, não
me atrevo a pensar no que pode
acontecer ao país", diz Petkoff.
"Não creio na possibilidade de
uma guerra civil clássica, mas há
grandes possibilidades de uma situação com violência de alta intensidade", diz ele.
Os apelos da oposição para que
os militares se juntem à greve geral, até agora ignorados, trazem
um perigo com antecedentes históricos, segundo Larry Birns. "Em
1973, no Chile, os democrata-cristãos cortejavam os militares para
derrubar o presidente constitucional, Salvador Allende, pensando em governar em seu lugar, mas
o que aconteceu foi que os militares tomaram o poder para si, e a
classe política teve 17 anos de repressão brutal", diz.
Qualquer que seja o desfecho
para a crise, porém, a situação da
Venezuela tende a manter-se tensa por muito tempo, por conta
dos efeitos econômicos que a longa greve geral pode provocar.
"Essa situação pode provocar
uma queda de 20% no PIB do
país, além de jogar para o alto o
desemprego, que era de 16%", diz
Petkoff. "O pior efeito não é o fato
de o sujeito não ter gasolina para
abastecer seu carro, mas não haver exportação de petróleo."
Segundo ele, como os pagamentos da venda do produto são feitos
90 dias após o envio, os efeitos da
greve começarão a ser sentidos de
forma mais aguda em março.
Ainda assim, um efeito dominó,
provocado pela interrupção do
fluxo de capital por causa do fechamento de grande parte do comércio, já vem causando uma onda de inadimplência. "Tome como exemplo nosso caso: os anunciantes não nos pagam porque
não recebem, e nós não pagamos
a gráfica", diz Petkoff. "Se a greve
geral continuar com a mesma força, em pouco tempo a situação no
país poderá ser de caos total."
Mas até quando o país e o governo poderiam sustentar essa situação? Para Petkoff, essa é uma
pergunta ainda sem resposta:
"Tudo pode acontecer. Ninguém
poderia imaginar que uma greve
dirigida por patrões pudesse se
prolongar por mais de um mês,
com um quarto da população envolvida diretamente", diz. "Não
acho que exista precedente semelhante na história mundial. A partir daí, tudo é possível."
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