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GUERRA SEM LIMITES
Para o escritor americano, o Congresso dos EUA deveria investigar se o governo sabia sobre atentado ao WTC
"Petróleo motiva guerra afegã", diz Vidal
GARY KAMIYA
DA SALON
Gore Vidal é um americano
com uma causa a defender. Quase
expatriado, passou boa parte de
sua vida em Roma e Ravello, retornando todos os anos, inexplicavelmente, a Los Angeles -talvez para juntar alguns fragmentos
americanos para incluir em uma
das bombas literárias de fragmentação que tem o costume de atirar
contra Tio Sam (que vê como sendo cada vez mais perverso) a cada
quantos anos.
Ele acaba de lançar ao mercado
mais um desses tomos, "Perpetual War for Perpetual Peace:
How We Came to Be So Hated"
(Guerra perpétua pela paz perpétua: como nos tornamos tão odiados). Mais bombinha de são João
do que granada, é um volume pequeno que retoma muitas coisas
já ditas anteriormente, recosturadas para aproveitar o momento
Osama bin Laden.
O primeiro ensaio, "Sept. 11,
2001 (A Tuesday)", foi rejeitado
originalmente pela revista "The
Nation", que publica os artigos de
Vidal há muitos anos, aparentemente porque seu tom foi considerado leviano demais. Foi publicado em italiano, tornou-se best-seller e foi traduzido para uma
dúzia de línguas. "Depois de Bin
Laden e Timothy McVeigh, achei
que seria útil descrever as diversas
provocações cometidas de nosso
lado e que os impeliram a cometer
atos tão terríveis", escreve Vidal
na introdução.
Em seguida, ele critica não apenas a resposta draconiana de
Bush ao ataque, mas também a legislação antiterrorismo aprovada
por Clinton e que ele vê como
uma cura pior do que a doença.
"Os danos físicos que Bin Laden e
seus amigos podem nos causar,
por terríveis que tenham sido até
agora, não são nada quando comparados ao que ele está fazendo
contra nossas liberdades", afirma.
E ele conclui com um longo rol
das ações militares empreendidas
pelos EUA desde a 2ª Guerra
Mundial, desde Granada até o Panamá, passando por Haiti, Kosovo e Somália. "Nessas algumas
centenas de guerras contra o comunismo, o terrorismo, as drogas
ou, em alguns casos, contra nada
de grande monta, entre Pearl Harbor e a terça-feira, 11 de setembro
de 2001, nossa tendência sempre
foi a de desferir o primeiro golpe",
diz Vidal na conclusão de seu ensaio. "Mas nós somos os mocinhos, certo? Certo."
Gore Vidal, 76, falou à "Salon"
desde sua casa em Los Angeles.
Pergunta - Você acha que os EUA
são mais odiados do que foram outros impérios no passado?
Gore Vidal - Não sei se somos
singulares pelo fato de realmente
inspirarmos bastante ódio pelo
mundo afora, devido à maneira
como impomos nossa presença.
Mas a história toda no Afeganistão não diz respeito a Bin Laden e
suas posições religiosas, embora
elas guardem alguma relação com
isso, mas a um grande golpe por
parte dos EUA para apoderar-se
de todo o petróleo e gás natural da
Ásia Central. E foi isso que nos
propusemos a fazer.
Bush pai garantiu o petróleo do
golfo Pérsico, ou seja, Kuait, Iraque, Irã, os Emirados e assim por
diante. Entretanto, muito maior
do que o golfo Pérsico é o petróleo
do mar Cáspio, do Uzbequistão e
de todos os outros "istãos" que faziam parte da União Soviética. Estamos, há algum tempo, deliberadamente fechando um círculo em
volta dessa parte do mundo -e
foi por isso que fomos ao Vietnã.
Perguntamos "onde está Bin
Laden?" porque sempre precisamos personalizar tudo. Tudo
sempre se reduz a um homem
mau, e, se o agarrarmos, conseguiremos acabar com o tráfico de
drogas (é o que se diz). Você se
lembra de Noriega? Se o pegássemos, seria o fim do tráfico de drogas. Bem, o pegamos, e o tráfico
de drogas não acabou.
Assim, com Bin Laden, estamos
dizendo que vamos nos vingar
pela coisa terrível que ele fez -se
é que o fez. Existem dúvidas consideráveis a esse respeito. É certo
que ele sabia o que ia acontecer e
que ajudou a financiar, mas pode
muito bem ter sido cometido por
outros. O que estávamos buscando era um gatilho. Já tínhamos
planejado invadir o Afeganistão
em outubro de 2001. Estamos e
estávamos desesperadamente
tentando instalar um oleoduto
atravessando o Afeganistão, o Paquistão, indo até Karachi e chegando ao oceano Índico. Durante
muito tempo tratamos com o Taleban, mas seus homens tinham
se tornado doidos e desmiolados
demais, a ponto de tornar-se impossível tratar com eles.
Então entramos no país para
tentar estabilizar a situação, para
que a Unocal [empresa americana
de energia" possa construir um
oleoduto. Assim, tudo isso diz
respeito a petróleo. Ao menos
uma vez na vida, estamos fazendo
algo realmente prático e não tentando erradicar o mal, tarefa
grandiosa demais para ser encarada até mesmo por um Bush.
Pergunta - Mas, mesmo supondo
que a administração Bush estivesse sedenta por óleo na região, você
não concorda que a intervenção
militar americana no Afeganistão
foi apropriada e necessária após o
grande ataque que sofremos em 11
de setembro? Você diz que o petróleo foi uma preocupação maior do
que o terrorismo?
Vidal - A revelação involuntária
foi feita quando Tommy Franks, o
general que comanda nossas forças no Afeganistão, chegou lá, e as
pessoas ficavam perguntando
"onde está Osama bin Laden?". E
ele disse que seria bom se encontrássemos Osama bin Laden, mas
que não era realmente para isso
que estávamos lá. E, de repente,
(encontrar Bin Laden) foi mais ou
menos colocado em segundo plano, e mais ou menos nos esquecemos disso, porque outras coisas
tomaram seu lugar. Em outras palavras, nunca foi essa a motivação
pura e simples. Entretanto, para
fins de relações públicas, sempre
devemos personificar uma única
pessoa, de preferência como sendo malévola. Foi o que eu disse
com relação a Noriega.
Seria de imaginar que, depois de
termos sido atingidos como fomos em Nova York, haveria audiências imediatamente, como
houve depois de Pearl Harbor
-uma investigação para saber
por que razão gastamos US$ 30
bilhões por ano com inteligência e
não sabíamos sobre uma conspiração que, conforme se estima,
deve ter levado cerca de quatro
anos para ser posta em pé, para levar aqueles aviões até os alvos,
destruindo nossos prédios e nossa gente. E não há investigação
nenhuma.
Acontece que qualquer país em
sã consciência, especialmente um
país dotado de um setor militar
tão enorme e orgulhoso quanto o
nosso, investigaria por que razão
levou 90 minutos para nossos caças decolarem. Em qualquer sequestro normal eles estariam lá
no alto em cerca de cinco minutos, em qualquer parte do país.
Mas levaram 90 minutos. Alguma
coisa está acontecendo.
Pergunta - Você está afirmando
que é possível que alguém nos EUA
tivesse conhecimento prévio dos
ataques de 11 de setembro?
Vidal - É claro que sim. Adoro
essa coisa de gostarmos de nos fazer passar por burros e incompetentes, em lugar de astutos e safados. Talvez seja mais fácil passar a
idéia de incompetência para as
pessoas aí fora. Mas acho que os
contribuintes que pagam tanto
quanto nós pagamos não ficam
muito satisfeitos em saber que o
FBI e a CIA não estavam sabendo
de nada e não começaram a investigar a fundo, e que, quando a coisa acontece, o Congresso não começa a investigar por que razão
eles não sabiam. Qualquer país
em sã consciência, como foi o caso dos EUA de 50 anos atrás, investigaria. Descobriríamos imediatamente o que deu errado.
Pergunta - Seu argumento é que
o governo sabia de antemão sobre
o ataque de 11 de setembro e planejou fazer uso dele como pretexto
para invadir o Afeganistão?
Vidal - Você disse isso. Eu não
disse. Acho que é uma possibilidade. Eu preferiria que o Congresso descobrisse isso por mim.
É para isso que pagamos seus integrantes. Há coisa demais desse
tipo acontecendo, e há uma espécie de política geral de que as pessoas não devem saber nada sobre
nada. Essa classificação de documentos como sigilosos não é conduzida para que os perversos inimigos dos EUA não descubram
nossos segredos, mas para que os
americanos não descubram o que
seu governo anda aprontando. E
o que ele anda aprontando? Bem,
o que faz mais sentido, agora que
somos governados por uma junta
de homens do petróleo e do Pentágono. A maior parte deles é do
ramo do petróleo -ambos os
Bushes, Cheney, Rumsfeld e assim por diante. Eles estão no poder, e este é o último grande golpe
que irá beneficiá-los pessoalmente e, como estou certo de que eles
sejam suficientemente patrióticos
para acreditar, também vai beneficiar os EUA: que o país tenha
acesso a esse imenso manancial
de óleo da Ásia Central, através de
diversos oleodutos.
Não podemos usar o Irã, porque já satanizamos demais os iranianos. Isso teria sido simples. A
Turquia tem sido mais complicada. Mas a rota Paquistão-Afeganistão era uma boa solução, até o
Taleban ficar maluco demais para
nós. Para mim parece que é disso
que se trata. Eles provavelmente
conseguiriam fazer a população
americana aceitar essa idéia. Você
quer petróleo barato? A gasolina
em todos os outros países é cara,
mas nós temos a mais barata. Mas
ela será ainda mais barata quando
conseguirmos pôr as mãos nesse
petróleo.
Então o que fizemos foi fechar
um círculo em torno de toda essa
área de repúblicas muçulmanas, a
antiga União Soviética. Temos bases. Temos bases no Uzbequistão.
E Putin concordou com nosso
planos, porque nos vê como fator
que contrabalança o movimento
muçulmano nativo, que pode
atrapalhar os russos.
Então há todo um mundo novo
aí fora sendo construído, e ninguém está se dando ao trabalho
de analisá-lo. Apenas ficamos discutindo se Osama bin Laden usa
delineador nos olhos ou não.
Pergunta - Então você vê tudo isso como parte de uma estratégia?
Vidal - Uma conspiração geopolítica em grande escala, e agora o
império está abrindo suas asas sobre uma nova área da terra.
Pergunta - Deixe-me perguntar
sobre o Oriente Médio. Muitos observadores acharam que a administração Bush, em função de seu
pano de fundo petrolífero, seria
muito menos pró-Sharon do que
revelou ser. O que você acha que os
EUA deveriam estar fazendo agora
para tentar pôr fim a essa situação
terrível no Oriente Médio?
Vidal - Bem, parece que a última
chance que se terá será o plano
saudita para Israel. E a política doméstica torna o plano impossível
mesmo para os seguidores de
Bush, que devem muito pouco ao
lobby de Israel. Seria muito mais
fácil para eles do que para os democratas ignorar esse lobby. Mas
eles foram bloqueados pelo Congresso. Então não vão fazer grande coisa, e a situação simplesmente vai evoluir por conta própria, à
sua própria maneira sangrenta.
Há muitas versões fantásticas
correndo soltas, e acho graça cada
vez que uma delas volta de novo.
Minha favorita é o fantástico
acordo que Barak teria oferecido
a Arafat, que o teria rejeitado porque curte o terrorismo, simplesmente, e adora explodir suicidas.
Essa idéia já virou fato aceito em
todo o mundo, especialmente nos
EUA. Na realidade, o acordo oferecido a Arafat foi terrível. Se você
tiver visto o mapa que eu vi, saberá que a proposta que Barak fez
foi de dividir os palestinos da Cisjordânia em três blocos, cada um
deles totalmente cercado por assentamentos e tropas israelenses.
Então haveria três jaulas fechadas.
Foi esse o grande acordo que Arafat rejeitou. Ele não teria permanecido no poder, se é assim que se
pode chamar o que ele ocupa, por
mais um dia se o tivesse aceitado.
Desde então, o pessoal da desinformação vem trabalhando duro,
tanto que agora já pensamos que
Israel realmente tinha oferecido a
Arafat o próprio jardim do Éden,
com água corrente, quente e fria, e
que ele o recusou porque prefere
o terrorismo. Ele supostamente
adora isso, adora atentados suicidas. Para fazer essa mentira circular e ser aceita é preciso muita
energia, muita paixão e muita astúcia. Mas não há uma palavra de
verdade nela.
Pergunta - Você não acha que
Bush teria capital político suficiente para buscar um acordo de paz
real para a região, se quisesse?
Vidal - Quem sabe o que ele
quer? Mas não, ele não quer isso
realmente. E acho que a prova disso foi vista alguns anos atrás,
quando Arafat viria aos EUA para
discursar na ONU, e o Senado
aprovou uma resolução determinando que ele não seria autorizado a entrar no país. Bem, embora
fisicamente esteja situada dentro
dos EUA, a ONU oficialmente
não está dentro do país. É uma entidade distinta. Mas proibiram a
entrada de Arafat -e por dois
terços dos votos. Não é preciso ser
um grande especialista em questões parlamentares para saber
que dois terços é só o que é preciso para passar por cima de um veto presidencial. Então Arafat não
veio. É isso que Bush enfrenta. E,
por mais que possam querer dar
uma dura em Sharon, seus correligionários não podem fazer isso
no Congresso. E não vejo como
seria possível dar um jeito se dois
terços do Senado -e é um Senado razoavelmente bom, desde o
meu ponto de vista- se mantiverem irredutíveis nessa questão, ou
por terem sido pagos, ou intimidados, ou qualquer outro motivo.
Tradução de Clara Allain
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