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Referendo não destrava diálogo na Bolívia
Analistas e políticos acreditam que, com vitória de Morales e principais opositores, clima de confrontação permanecerá
Apesar de amplo triunfo nacional, presidente saiu derrotado na chamada meia-lua, que deve insistir em sua luta por autonomia
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
À espera dos resultados oficiais, políticos bolivianos e analistas viam ontem com pessimismo os resultados projetados para o referendo revogatório de anteontem, que deu vitória simultânea ao governo e aos
principais oposicionistas. Apesar dos chamados nacionais e
internacionais ao diálogo, a negociação entre o presidente
Evo Morales e governadores
autonomistas parecia distante.
De um lado, está o aberto desafio do governo de Santa Cruz,
que interpretou a vitória do governador Rubén Costas, com
ao menos 66%, como impulso a
seu projeto de autonomia administrativa à revelia de La Paz.
Do outro, Morales fez um
chamado ao diálogo. Mas, de
saída, pôs limites à negociação
para compatibilizar a nova
Constituição, aprovada por
seus aliados, e os estatutos autonômicos dos departamentos
de Santa Cruz, Pando, Beni e
Tarija, a chamada meia-lua. O
presidente obteve 62% de votos no cômputo nacional, mas
foi derrotado em ao menos três
destes departamentos.
"Não se trata de que Evo Morales ceda. O interesse deve ser
buscar a igualdade social", disse
o presidente boliviano ontem,
questionado sobre o quanto está disposto a negociar no texto
da nova Carta, que ainda precisa ir a referendo. Morales citou
o trecho da Constituição que
prevê que serviços de água, esgoto e telecomunicações devem estar a cargo do Estado.
"Mudar isso depende do povo.
O povo vai querer um serviço
de água privado?"
Os departamentos liderados
por Santa Cruz rejeitam o viés
estatista da Carta. Celeiro e reserva energética do país, a
meia-lua defende um modelo
produtivo liberal, quer liberdade quase total para lidar com
recursos como a terra e rejeita
o direito à autonomia aos 36
povos indígenas bolivianos.
"O discurso do governador
Rubén Costas foi brutal, mas
mais sincero do que o do presidente. Afirmou claramente que
não está disposto a ceder. É
preciso assumir que neste clima de ódio e polarização não há
condições para o diálogo", afirma o analista Fernando Molina, diretor do semanário econômico "Pulso". Costas defendeu seu projeto, não mencionou diálogo e chamou Morales
de "macaco".
Autonomia
Carlos Dabdoud, secretário
para autonomia do governo de
Santa Cruz, concorda que não
há, agora, espaço para negociação. "Queremos uma prova de
que o governo está disposto a
conversar. E essa prova é a devolução do IDH", disse, em referência aos 30% do imposto
sobre o gás que antes ia às regiões redirecionado por Morales para dar um benefício a idosos do país, o Renda Dignidade.
A disputa sobre esse imposto
se arrasta desde dezembro passado sem que o governo sinalize com mudanças.
Dabdoud disse que o departamento deve aprovar nesta semana a criação de uma agência
tributária, cuja primeira tarefa
deve ser auditar os impostos recolhidos pelo governo nacional
no departamento de Santa
Cruz. O passo seguinte é criar
impostos próprios.
Santa Cruz sedia várias empresas transnacionais, entre
elas a Petrobras. Ontem, Morales ironizou a iniciativa de criar
impostos próprios nas regiões
-"pensam que as empresas vão
pagar a eles, e não ao governo
nacional?""- e afirmou que os
presidentes dos países vizinhos
rejeitariam a proposta.
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