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"Agora posso dizer, Saddam
Hussein era um ditador
sanguinário!", grita um
iraquiano no lobby do hotel
Nos hotéis, pessoas dormem
no chão, ao lado de malas e
equipamentos jogados. Não
há água corrente nem luz
A hora do desabafo
"Agora posso dizer, Saddam
Hussein era um ditador sanguinário!" Ala'a Jabour está gritando
no meio do lobby do hotel Sheraton, um dos dois únicos da cidade
com gerador, portanto um dos
dois pontos de Bagdá com energia
na noite de ontem.
Ninguém repara nele, já que frases semelhantes têm sido faladas
cada vez mais e com mais naturalidade nas últimas horas no Iraque. Ala'a foi o motorista apontado pelo então Ministério da Informação para a Folha na primeira
incursão da equipe pela capital
iraquiana, há dez dias.
"Ninguém gostava dele, eu via
as pessoas cantando nas ruas e falando bem de Saddam e sabia que
era tudo posado, tudo obrigado
pelo pessoal do partido (Baath,
governista)", diz o bagdali, emocionado e bem mais magro.
Os últimos dias não foram fáceis para o esperto iraquiano, que
há um ano deixou seu emprego
de professor porque ganhava US$
30 por mês. Sua família imediata
sobreviveu aos bombardeios e ao
caos, mas um tio paterno e os dois
filhos dele morreram queimados.
"É uma vergonha."
Desde que os marines tomaram
o centro de Bagdá, Ala'a dá expediente nos lobbies dos hotéis Palestine e Sheraton.
Os 150 jornalistas estrangeiros
que estavam na cidade até quarta-feira ganharam a companhia de
pelo menos mais 300 colegas, que
desembarcaram nas noites de anteontem e ontem.
A superlotação, aliada a uma cidade semiparalisada pela guerra,
compõe um cenário que lembra
os abrigos de emergência municipais que se seguem a enchentes,
furacões e maremotos.
Pessoas dormem no chão, ao lado de malas empilhadas e equipamentos jogados. Não há água corrente nem energia elétrica, e os
banheiros públicos entupiram.
Todos os quartos estão tomados e
boa parte dos corredores também.
No hotel Sheraton, o gerente foi
obrigado a alugar o oitavo andar,
ainda no meio de uma reforma.
Assim, os hóspedes deitam-se
no chão de cimento ou em sacos
de dormir, já que as camas ainda
não tinham sido instaladas, e não
podem usar os banheiros, por falta de sanitários e de encanamento.
A situação no Palestine não é diferente. "Se você tiver um amigo
hospedado no hotel, pode tentar
alugar o hall de entrada dele", diz
um funcionário na recepção que
não quer dar o nome. "Tem muita
gente fazendo isso."
Negociações
O iraquiano é o que sobrou da
gerência do local, até então uma
empresa estatal como quase todos
os hotéis do Iraque pré-queda. A
chefia desapareceu na última
quarta junto da equipe do Ministério da Informação, que tinha se
mudado para cá depois que sua
sede fora bombardeada.
Corajoso e decidido, o funcionário pediu a intervenção dos
marines norte-americanos para
evitar que também os quartos dos
jornalistas fossem saqueados na
comoção popular que tomou a cidade nas últimas 72 horas.
Após muita negociação, o comando dos soldados aceitou
guardar o local, desde que a tropa
tivesse livre acesso.
Feito o acordo, pelo menos dois
tanques e quatro carros-tanques
foram manobrados para o estacionamento do Palestine, que
continua seguindo com sua vocação de alvo militar -antes, da
coalizão anglo-americana, agora,
da pequena resistência iraquiana.
O resultado é que, no lugar dos
guias/espiões, da polícia secreta e
dos barnabés de Saddam Hussein, os jornalistas estrangeiros
passaram a conviver com garotos
claros e vermelhos de sol de 20 e
poucos anos vindos de lugares como Ohio, Texas e Nova Jersey e
armados de M-16 e pistolas.
Pode-se usar livremente telefones por satélite, que eram um dos
grandes tabus da administração
anterior; em compensação, todos
os que entram e saem sofrem uma
revista em busca de armas.
Muda o comando, mas alguns
hábitos persistem. Não há mais
gente querendo morder a maior
quantidade de dólares possível
dos jornalistas, prática que era incentivada pelo próprio diretor de
imprensa de Saddam Hussein.
Em compensação, um recruta
que vigiava a entrada principal do
Palestine sugeriu que relaxaria a
guarda se recebesse de presente
uma nota de real, para sua coleção
de moedas de lugares exóticos.
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