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De volta a outra Bagdá
Dez dias depois, a volta a Bagdá.
É outra cidade. Comparada com
a Bagdá atual, dos saques, da falta
de luz, da violência civil, da pilhagem de hospitais, da falta de comando, a Bagdá das duas primeiras semanas de guerra era Nova
York ou Genebra, na Suíça.
É uma cidade-zumbi, em que as
pessoas caminham pela rua podendo fazer o que querem pela
primeira vez em três décadas, mas
sem saber o que fazer.
Tudo o que era do Estado está
sendo saqueado. O problema é
que tudo era do Estado, de hospitais a casas de câmbio, passando
por parques de diversão e muitos
restaurantes.
As únicas construções preservadas são as mesquitas. E também
igrejas de outras religiões, como
as católicas (são várias).
Aliás, um dos que mais trabalha
é o núncio do Vaticano, que toca
uma espécie de embaixada local
do papado e dá passaportes provisórios para as milhares de pessoas sem documentos que querem deixar o país.
Muda a desgraça, mudam as
prioridades. Agora, o artigo mais
procurado no comércio é uma tomada com eletricidade. Há bagdalis que sabem onde estão as menos de dez que funcionam nos hotéis, e cobram US$ 50 por hora de
uso.
Outros aproveitam a ex-função
para faturar. Desde a queda de
Saddam, o barbeiro do Palestine
tem tido pouco trabalho. Em
compensação, aluga saídas de eletricidade de suas cadeiras para interessados em energia. Há fila de
espera.
Uma das frases mais ouvidas é:
"A polícia agora sou eu!", no meio
de discussões, quando uma das
partes ameaça chamar a polícia.
Que não existe mais.
As notas de dinar iraquiano, que
trazem a efígie de Saddam em todos os valores, desapareceram e
viraram item de colecionador.
Uma de 10 mil dinares, a mais rara
hoje, pode custar até US$ 10. O último câmbio informal antes da
queda do regime era de US$ 1 para 3.000 dinares.
Ainda na fronteira jordaniana, o
governo obriga o viajante a assinar dois papéis, um eximindo o
rei de responsabilidade pela vida
de quem se arriscou a entrar no
Iraque, outro dizendo que os que
forem mortos no caminho não
podem processar o reino em busca de indenização.
Do lado iraquiano, os sinais de
que os funcionários deixaram o
que estavam fazendo pelo meio
assim que ouviram da queda de
Saddam estão por todos os lugares. Na chamada "sala dos oficiais", onde as propinas eram cobradas para que as bagagens fossem liberadas, um prato repousa
sobre a mesa com uma coxa de
frango pela metade.
Nosso motorista no trajeto
Amã-Bagdá, o terceiro da série, é
uma mistura de Nietszche e Raul
Seixas. Iussef é jordaniano de origem palestina (como 82% da população, clamam os palestinos; o
governo diz que são 42%) e desdenha dos saqueadores. "Que venham, não tenho medo."
Ao dirigir, tem um irritante tique: olha constantemente de um
lado para o outro, parecendo estar checando os espelhos. Várias
vezes por minuto. Só percebemos
que se tratava de uma mania
quando reparamos que sua caminhonete não tem espelhos. Quebraram numa das viagens.
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