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EUROPA
Populistas e extremistas de direita podem inviabilizar maioria estável no Parlamento Europeu na votação que termina hoje
Eleição na UE mostra força de "eurocéticos"
DA REDAÇÃO
Grupos políticos "eurocéticos",
populistas e de extrema direita
deverão ter um ganho considerável na eleição legislativa européia,
que começou na última quinta-feira e termina hoje, e provavelmente virão a impedir a formação
de uma maioria estável no Parlamento Europeu, segundo pesquisas de intenção de voto publicadas ao longo da semana.
A verdade é que o alcance do
poder dos eurodeputados ainda
não é bem compreendido hoje, 25
anos depois da primeira eleição
direta para o Parlamento Europeu. Com isso, as mesmas pesquisas apontam um provável nível de
comparecimento às urnas que
não chega a 50% do eleitorado.
Essa constatação contrasta com
o fato de os poderes do Legislativo
europeu virem aumentando nos
últimos anos. E, segundo analistas
ouvidos pela Folha, o poder dos
eurodeputados crescerá ainda
mais se a Constituição da União
Européia for adotada pelos 25
países-membros do bloco.
"Os poderes do Parlamento Europeu vêm sendo gradualmente
expandidos desde sua criação.
Até meados da década passada,
todavia, eles ainda não eram tão
significativos. Hoje os eurodeputados já podem vetar o orçamento
da UE, criar comissões de inquérito, destituir a Comissão Européia [o Executivo do bloco], vetar
certos acordos internacionais e
impedir futuras ampliações", explicou Michael Kreile, da Universidade Humboldt (Alemanha).
"Ademais, o Parlamento também pode emendar ou vetar leis
nacionais relacionadas à segurança alimentar, ao transporte, ao
ambiente e ao mercado interno,
inclusive à regulação financeira",
acrescentou o analista alemão.
Mesmo assim, como salientou
Anne-Marie Le Gloannec, do
Centro Marc Bloch, um instituto
de pesquisas franco-alemão de
Berlim, a eleição européia não
suscita grande interesse. Com isso, "os partidos extremistas ou
eurocéticos, que têm uma maior
capacidade de mobilização eleitoral, acabam obtendo uma vantagem competitiva". "Isso é perigoso, pois, se a Constituição for adotada, o Parlamento terá amplos
poderes", analisou Le Gloannec.
De fato, a Constituição prevê
que os eurodeputados passem a
ter o poder de emendar leis nacionais ligadas ao direito de asilo, à
imigração, ao controle das fronteiras e à cooperação judicial e policial -temas delicados e que envolvem fortes interesses nacionais. Além disso, o Parlamento
poderá supervisar os gastos com a
agricultura, que constituem quase
a metade do orçamento anual do
bloco -de 100 bilhões.
Partidos tradicionais
O provável fortalecimento dos
"eurocéticos" e dos extremistas
reflete o descrédito que envolve os
blocos partidários tradicionais: o
Grupo do Partido do Povo Europeu e dos Democratas Europeus
(de centro-direita) e o Grupo do
Partido dos Socialistas Europeus
(de centro-esquerda).
Segundo pesquisas, o grupo de
centro-direita deverá ficar com
265 das 732 cadeiras do Parlamento. Já o de centro-esquerda ficará com 206 assentos. Assim, se
ambos não fizerem uma "grande
coalizão" de centro, como era comum até 1999, nenhuma das duas
grandes formações deverá conseguir compor uma maioria estável.
"Uma "grande coalizão" seria
um quadro ruim, já que engessaria o Legislativo europeu. Afinal,
nesse quadro, nenhuma legislação mais ousada deverá ser adotada. Por outro lado, se os "eurocéticos" conseguirem obter as cem cadeiras previstas pelas pesquisas
recentes, quase dobrando sua representação no Parlamento, haverá uma bagunça, pois eles estarão em condições de, aliados a diferentes grupos, bloquear a aprovação de projetos de lei claramente integradores", explicou Kreile.
O voto de protesto é comum na
eleição legislativa européia, visto
que os eleitores a escolhem para
"enviar um recado" aos dirigentes
nacionais, como lembrou Kreile.
"Na França, o centro-direita deverá pagar o preço das impopulares reformas defendidas pelo presidente Jacques Chirac. Ironicamente, será o centro-esquerda, do
chanceler [premiê] Gerhard
Schröder, que deverá pagar esse
preço na Alemanha", afirmou.
"Além disso, o apoio à Guerra
do Iraque e à sua reconstrução
também deverá custar caro aos
dirigentes de alguns países, como
a Itália, do premiê Silvio Berlusconi, e o Reino Unido, do premiê
Tony Blair", acrescentou Kreile.
Com efeito, a coalizão governamental holandesa, que mantém
soldados no Iraque, já começou a
pagar esse preço. No pleito europeu realizado na última quinta-feira, os democrata-cristãos, que
são um dos pilares da coalizão,
perderam dois assentos, caindo
de nove para sete cadeiras.
Nas eleições locais ocorridas no
Reino Unido, na última quinta-feira, o Partido Trabalhista ficou
em terceiro lugar -algo inédito
para uma formação governista. E
Blair foi forçado a admitir o "efeito Iraque" na disputa eleitoral.
Leste Europeu
A eleição européia é histórica
porque é a primeira em que cidadãos provenientes dos oito países
do antigo bloco comunista elegerão seus eurodeputados. Malta e
Chipre, que entraram na UE em 1º
de maio último, também realizam
o pleito legislativo europeu.
Segundo Julius Horvath, presidente da Escola de Relações Internacionais e de Estudos Europeus
da Universidade da Europa Central (Hungria), os novos membros não serão responsáveis por
uma eventual mudança no Parlamento, mas terão forte contribuição para tanto se ela ocorrer.
"Os dez novos países só terão
162 dos 732 deputados. Mesmo
assim, os "eurocéticos" conseguirão muitas cadeiras em alguns
dos países do Leste Europeu. Na
Polônia, os extremistas deverão
obter quase metade dos 54 assentos em disputa. Na República
Tcheca e nos países bálticos, as
formações contrárias à UE também deverão ter forte apoio popular", indicou Horvath.
Assim, se não conseguirem explicar à população o peso real das
instituições européias, o bloco
pró-UE correrá o risco de vê-las
bloqueadas pelos "eurocéticos",
que querem manter a soberania
total dos Estados nacionais.
(MÁRCIO SENNE DE MORAES)
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