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ENTREVISTA
Para Jenkins, professor do MIT, natureza participativa dos jogos estimula ceticismo; rádio e TV servem melhor à propaganda
Interatividade dificulta uso político do game
DA REDAÇÃO
Embora sejam crescentes os esforços de exploração dos videogames com finalidades políticas, os
jogos eletrônicos ainda são menos
eficazes que outros meios como o
rádio, a TV ou o cinema em processos de propaganda ideológica.
É o que argumenta o professor
Henry Jenkins, diretor do Programa de Estudos de Mídia Comparada do Massachussetts Institute
of Technology (MIT), nos EUA.
Estudioso dos games e uma das
principais referências mundiais
sobre os seus efeitos sobre os
usuários, Jenkins explica em entrevista por e-mail à Folha que a
natureza interativa dos jogos eletrônicos leva as pessoas a adotar
posição mais desconfiada e, portanto, menos suscetível a ter suas
concepções alteradas em razão do
conteúdo dos jogos. Leia a seguir
trechos da entrevista.
(MARCELO STAROBINAS)
Folha - Até que ponto os videogames já vêm sendo utilizados com finalidades políticas?
Henry Jenkins - Jogos simples na
internet têm sido usados por candidatos em eleições -em geral
envolvendo comentários insultuosos sobre seus oponentes. Jogos comerciais, por outro lado,
procuram evitar abordar temas
políticos a não ser de uma forma
razoavelmente objetiva. Eles não
gostam de tomar partido, o que
poderia alienar consumidores.
Tem havido, entretanto, várias
tentativas de simular processos
governamentais, como por exemplo em "SimCity", conflitos geopolíticos, como em "Civilization",
ações de guerra e policiais ou até
mesmo campanhas políticas.
Folha - Os videogames são tão
efetivos quanto a TV, a internet ou
o jornal para transmitir mensagens
políticas? Podem ajudar num processo de fabricação de consenso?
Jenkins - Isso depende de quais
games estamos falando. É possível modelar diretamente o processo de criação de consenso numa comunidade por meio de um
massively-multiplayer game
(MMG, em que muitas pessoas
jogam em rede).
Pode-se argumentar que, como
a ação individual pode influir
muito mais nos resultados finais
num ambiente de jogo que na vida real, os games podem alimentar forte sentimento de democracia participativa. Apesar disso, temos de reconhecer os reais limites
dos jogos ou qualquer tipo de mídia em formar as nossas crenças.
Eles tendem a ser mais eficazes
quando confirmam aquilo que já
acreditamos, e muito menos eficazes na tarefa de mudar a nossa
atitude e comportamento. Isso
porque qualquer jogo que rompe
muito drasticamente com nossa
percepção da realidade tem a
chance de ser classificado como
exagerado ou fantasioso.
Folha - É difícil usar jogos para fazer propaganda política?
Jenkins - Por muitas razões eu
creio que a propaganda funciona
melhor em mídias como o cinema
e o rádio, que reúnem público em
massa e estimulam interatividade
limitada. Esses meios têm sido
historicamente eficazes ao juntar
conteúdo ideológico com experiência emocional. Veja o uso do
cinema por todos os grandes envolvidos na Segunda Guerra.
Os games estimulam uma relação muito diferente aos seus consumidores. Ela é baseada em participação, não num consumo ingênuo. E encoraja um ceticismo
saudável com relação aos produtores da mídia em vez de uma fé
cega nas autoridades.
Não estou dizendo que os games não podem ser produzidos
de forma a servir como propaganda. Mas a maioria dos games não
parece ser motivada por uma
missão política maior e, na verdade, a mesma companhia de games
pode produzir conteúdos radicalmente diferentes tendo fantasias e
atitudes políticas como subtexto.
O que importa é que ela venda para um número de consumidores
suficiente para que os games sejam mantidos nas prateleiras.
Folha - No futuro, os videogames
podem se tornar uma ameaça à democracia? Grandes corporações e
elites políticas podem passar a
moldar o conteúdo dos games de
acordo com seus interesses?
Jenkins - Isso é teoricamente
possível. Já existem jogos lançados por grupos de extrema direita
que incentivam crimes de ódio ou
alimentam sentimentos conspiratórios. Muitos joguinhos amadores que foram lançados depois do
11 de setembro alimentam hostilidade cega não só com relação a
Bin Laden mas também a todos os
árabes americanos. Esses games
podem ser preocupantes já que se
sustentam sobre outras correntes
culturais que vêm encorajando o
militarismo e o medo.
O verdadeiro poder dos jogos
de computador é que eles nos levam a acreditar que fazemos o futuro por meio de nossas ações,
enquanto a lógica do programa é
predeterminada por seu criador.
A ideologia, assim, pode trabalhar
de forma invisível. Tendo dito isso, vale destacar que a maioria
dos jogadores compreende esse
processo e tenta antecipar essa
tendenciosidade do autor para
conseguir vencê-lo. Há um intrínseco ceticismo e antagonismo entre o criador do jogo e o jogador
que podem fazer dos games menos eficazes como forma de propaganda que os filmes ou a TV.
Folha - O sr. acredita que games
com mensagens políticas são capazes de influenciar as opiniões políticas dos jovens que os jogam? Os
garotos(as) apenas se divertem ao
brincar com videogames, ou também aprendem com isso?
Jenkins - Parte de nossa premissa em nosso projeto Jogos para
Ensinar é que os games podem ser
um meio eficaz para a educação.
Mas temos de ter clareza em como esse potencial pedagógico é
concretizado. Os games não
transformam os garotos em radicais políticos mais do que os tornam assassinos psicopatas.
Na verdade, é muito difícil fazer
com que as pessoas utilizem no
mundo real coisas que aprenderam por meio da fantasia. Usamos a fantasia para experimentar
papéis, testar valores, fazer experimentos com situações que não
encontraríamos na vida real. Por
isso, erguemos barreiras fortes
entre a fantasia e a realidade.
Desenvolver jogos para ensinar
requer integração sistemática
dentro de algum tipo de contexto
educacional e não simplesmente
uma exposição isolada a eles. E,
na maioria dos casos, o poder desses games reside em sua capacidade de confirmar aquilo em que já
acreditamos, não em transformar
nossas crenças e ações.
Folha - O que o sr. acha dos planos do Exército dos EUA de utilizar
games para o recrutamento?
Jenkins - Será interessante ver se
funciona. Vai depender muito de
ser um bom jogo ou se os jovens o
verão como artificial e propagandístico. É difícil de imaginar um
game que traga uma representação realista da experiência militar.
Quanto tempo você passa descascando batatas ou observando sargentos gritando em sua cara?
A maioria dos garotos perceberá as tentativas de romantizar a vida militar, embora haja uma parcela dos viciados em jogos que
pode estar propensa a se alistar,
para a qual isso será um atrativo.
Folha - Qual o papel dos videogames no processo de globalização?
Eles ajudam de alguma forma o
Ocidente em sua "cruzada" para
universalizar valores ocidentais?
Jenkins - Os games podem ser
compreendidos como parte de
um processo de globalização em
que são commodities que circulam cruzando fronteiras nacionais. Eu questionaria, entretanto,
se a ocidentalização ou a americanização seria a melhor forma de
descrever as consequências ideológicas desse fenômeno num contexto em que o Japão possui um
papel central na produção de games e de tecnologia para jogos.
O atual conteúdo dos games
evolui como um diálogo entre o
Japão e os EUA à medida que
competem pelo controle de um
mercado global. Ao mesmo tempo, vemos a emergência de poderosas indústrias de games na região da Ásia-Pacífico e na Europa.
Ambos devem ter papéis importantes na formação de nossa compreensão sobre o que são os games e que valores eles expressam.
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