|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELEIÇÃO
Democrata discursa como esquerdista, mas defende posições de centro
Paradoxal, Dean surge como
favorito para desafiar Bush
RUPERT CORNWELL
DO "INDEPENDENT"
Embora as primárias que decidirão quem será o candidato do
Partido Democrata nas eleição
presidencial americana de 2004
nem sequer tenham começado, o
ex-governador de Vermont Howard Dean lidera com folga as
"primárias invisíveis" das pesquisas de opinião, arrecadação de
fundos e exposição na mídia.
A história mostra que, quase
sempre, o candidato que está na
frente em doações e popularidade
nesse estágio da disputa vai chegar ao final conquistando a candidatura do partido.
O surpreendente apoio dado
pelo ex-vice-presidente Al Gore
(1993-2001) na semana passada
talvez não sirva para mudar a opinião de muitos eleitores, mas é
uma sólida prova de que Dean pelo menos já colocou um pé dentro
do establishment bastante cauteloso do Partido Democrata. Mas
há um pequeno problema.
Quem exatamente é Howard
Dean? Os seus rivais exibem vastos currículos -larga experiência
em política internacional, comprovada eficiência como parlamentar, carreira brilhante nas
Forças Armadas. Dean, no entanto, é um homem sem biografia.
Sim, sabemos que, por dez anos,
foi governador do pequeno Estado de Vermont, onde teve sucesso
equilibrando o orçamento e garantindo seguridade social para
virtualmente todos os moradores
do Estado. Também sabemos que
ele é um médico.
Mas Dean também é um paradoxo. O insurgente que incendeia
platéias com suas tiradas contra
as iniquidades da administração
Bush é ao mesmo tempo, pelo seu
passado, o desafiante democrata
que mais lembra o presidente
George W. Bush.
Ele nasceu em Nova York e tem
um pai que foi um figurão em
Wall Street. Como George, estudou em Yale. Os dois têm famílias
wasp (acrônimo inglês para protestante branco anglo-saxão) da
Costa Leste. A avó de Bush foi dama de honra do casamento da avó
de Dean.
"Deixe-me ver se entendi direito: ele tem pais ricos, bebia demais, frequentou escolas caras e
fugiu do Vietnã. Ele é a alternativa
a George W. Bush? Para mim, ele
é George W. Bush", disparou o
apresentador de TV Jay Leno.
Mas as similaridades param aí.
Por um ponto de vista, ele é o típico liberal progressista que os republicanos adoram criticar nas
eleições. É o candidato que apóia
casamento gay, é a favor de impostos mais elevados, defende a
assistência médica estatal e espinafra a nobre missão americana
no Iraque.
Em um segundo exame, no entanto, Dean se transforma no centrista clássico, um financista conservador que odeia déficits orçamentários, apoiador da pena de
morte em certos casos e opositor
de restrições ao porte de armas.
De acordo com o seu site, ele é um
"moderado de bom senso". "É
patético que eu seja considerado
um esquerdista. Isso apenas mostra o quanto este país se moveu à
direita", afirma Dean.
Sonho antigo
Não é um fato muito conhecido
que Dean pensou em se lançar
candidato já em 2000 e teve de ser
dissuadido pelo próprio Al Gore.
Ao observar a rígida e superplanejada campanha de Gore, Dean
instantaneamente percebeu o desastre que vinha pela frente.
Não por acaso, a campanha
atual de Dean é o exato oposto.
John Kerry seguiu a trilha de Gore, cercando-se com um exército
de assessores que dão palpites sobre cada movimento seu. O resultado? Uma liderança de Dean
com 30 pontos percentuais de folga nas primárias de New Hampshire e uma campanha de Kerry à
beira do abismo.
A Casa Branca está começando
a trabalhar com a suposição de
que Dean será o candidato democrata. O temido "departamento
de pesquisa sobre a oposição" do
Comitê Republicano Nacional vai
entrar em campo, colhendo cada
frase dúbia de Dean e vasculhando sua administração em Vermont e suas ações posteriores em
busca dos menores escorregões e
contradições.
Se vencer as primárias, Dean vai
retomar uma posição mais centrista -o que não será difícil, com
suas opiniões sobre armas e orçamentos balanceados. Ele também
não defende uma saída imediata
do Iraque. Mas algumas frases
impensadas podem voltar para
assombrá-lo: a sua insinuação de
que Bush pudesse ter ignorado
avisos específicos dos sauditas antes do 11 de Setembro, a fala de
que "não deveríamos tomar partido no Oriente Médio" e a promessa de aumentar impostos
através do cancelamento dos cortes feitos por Bush.
Os democratas rezam para que
Dean seja um novo Jimmy Carter,
um desconhecido governador
que conquistou uma vitória surpreendente em 1976. Porém sobre
o partido ronda também o espectro da campanha de 1972 de George McGovern.
"A campanha de Dean me lembra bastante coisas que fizemos 30
anos atrás", disse há poucos dias o
ex-senador de Dakota do Sul. Os
democratas tremem ao ouvir isso.
McGovern centrou sua campanha na oposição a uma guerra
(Vietnã) que era mais impopular
do que a atual do Iraque. Mas ele
caiu na armadilha esquerdista e
foi aniquilado nas urnas por Richard Nixon.
Texto Anterior: Oriente Médio: Demografia faz Likud mudar de posição Próximo Texto: Guerra sem limites: Mundo árabe impede debate sobre terror Índice
|