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UMA VISÃO EUROPÉIA
Reação islâmica aos EUA é ambígua
Prevalece a visão de
que o 11 de Setembro
foi um pretexto dos EUA para lançar uma ofensiva
no Oriente Médio
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DA REPORTAGEM LOCAL
Leia os principais trechos da entrevista de Olivier Roy, professor
do Instituto de Ciências Políticas
de Paris.
(JBN)
Folha - Quais os efeitos que o 11
de Setembro ainda tem nas indagações que o mundo muçulmano
faz sobre sua própria identidade?
Olivier Roy - A questão se coloca
em patamares diferentes. Bin Laden alegou ter agido em nome dos
muçulmanos. Mas a comunidade
não se reconhece no islamismo
dele. Ao mesmo tempo Bin Laden
desperta simpatias ao se situar como porta-voz do antiimperialismo, do antiamericanismo. O antiimperialismo é consensual no
mundo árabe e muçulmano. Prevalece a impressão de que o 11 de
Setembro foi um pretexto para os
EUA lançarem uma ofensiva de
peso no Oriente Médio. Contra
ela a reação muçulmana é ambígua, sem conteúdo necessariamente religioso. É mais política.
Folha - Mas a Al Qaeda tem um
discurso de conteúdo religioso.
Roy - Certamente. Ocorre que a
mensagem religiosa de Bin Laden
não é aceita. As idéias de seu grupo encontram simpatia quando
interpretadas no plano político.
Folha - Como se dá a discussão?
Roy - As manifestações mais inequívocas partiram de lideranças
religiosas. O mulá Kaladawi, que é
egípcio, mas mora em Qatar, homem respeitado no mundo muçulmano, claramente condenou
os atentados do 11 de Setembro.
Ele fez uma distinção entre o terrorismo de Bin Laden, a seu ver
ilegítimo, e os atos palestinos.
Folha - E como essas posições
atingem a opinião pública?
Roy - De início, até 2002, prevaleceu a crença de que o 11 de Setembro não era terrorismo muçulmano, que os americanos haviam forjado tudo ou que era obra
do Mossad, o serviço secreto israelense. Mas agora é inegável que
Bin Laden foi o autor. Ele já assumiu. Há uma crise de modelos de
representação. A única certeza é
que os EUA usaram o terrorismo
como pretexto para ocupar o Iraque. Os líderes religiosos são em
geral contraditórios, perplexos.
Folha - Se essa perplexidade
ocorresse na França, teriam havido
colóquios, números especiais de
revistas. E no mundo muçulmano?
Roy - Não há liberdade intelectual para isso. Mesmo regimes
mais antiislâmicos, como o da Argélia, são ditatoriais. Num país
como a Tunísia, por exemplo, é
impensável ter um colóquio livre.
Folha - Não há publicações periódicas em que exista discussão?
Roy - Como regra, eu diria o seguinte: os intelectuais muçulmanos que têm algo a dizer não o fazem em revistas islâmicas. Escrevem em publicações européias.
Folha - Nessas publicações de fora, é possível perceber tendências?
Roy - Não há tendências novas.
As que já existiam foram obrigadas pelas novas circunstâncias a
explicitar suas posições. Há, em
primeiro lugar, os liberais. Penso
mais particularmente no caso de
Muhammad Harkoun [orientalista e professor emérito da Sorbonne]. Esse grupo até agora evitava polêmicas, por crer que teria
de se contrapor publicamente a
outros muçulmanos e, com isso,
se assemelhar aos ocidentais. Mas
agora eles se exprimem claramente. Embora o façam fora do mundo muçulmano. Publicam artigos
em Paris, em Londres, em Los
Angeles. Mas não no Cairo, em
Argel, em Damasco. Esse grupo
também ficou mais didático. Em
lugar de uma formulação mais filosófica, pensa mais no público
jovem, em textos mais simples.
Folha - E os outros grupos?
Roy - Há em segundo lugar
aqueles que eu chamaria de "fundamentalistas centristas" ou moderados. Na França, é por exemplo a UOIF (União das Organizações Islâmicas da França). Os ataques do 11 de Setembro os levaram ainda mais para o centro. A
UOIF defende que as mulheres
possam cobrir a cabeça com véu
em locais públicos. Mas, há dias,
disse que, se uma lei obrigasse as
adolescentes a irem às escolas públicas com a cabeça descoberta, as
famílias muçulmanas deveriam
respeitar. É um tipo de legalismo
que provavelmente a UOIF não
adotaria há cinco ou dez anos.
Folha - Como encaixar nesse quadro a deterioração do processo de
paz entre Israel e os palestinos?
Roy - Os muçulmanos acomodaram-se à idéia de que, nesse
conflito, nada podem esperar dos
EUA. Acreditam que em qualquer
circunstância os americanos estarão com Israel. A Europa, porém,
tem posição mais nuançada. Por
haverem divergências entre EUA
e Europa, os muçulmanos europeus sentem-se mais europeus.
Sobre o Iraque ou sobre a Palestina, sentem-se próximos da posição dos governos e da opinião pública dos países em que vivem.
Folha - Há também, como novidade no mundo árabe, a crise de legitimidade da monarquia saudita.
Roy - Os jovens muçulmanos da
Europa se identificam com os palestinos. Mas não há identificação
com a Arábia Saudita, que aliás financia os movimentos fundamentalistas. A crise na monarquia
saudita tem efeitos nessas redes
de militância. Os sauditas não abdicaram de pregar um ensino islâmico ortodoxo, fundamentalmente antiocidental, que funciona como caldo de cultura para o
radicalismo. Há nisso um paradoxo. A família real saudita percebe
que está financiando os grupos
que a atacam. Procura sutilmente
mudar de rumo. Quer agora, na
França, financiar a restauração da
grande mesquita, que pertence
aos moderados, aos argelinos.
Folha - Sua primeira especialidade foi o Irã. Há potencial de instabilidade no regime islâmico de lá?
Roy - Não creio que se esteja perto de uma crise no Irã. Os conservadores tiram proveito da situação criada no Iraque para ganhar
posições em detrimento dos liberais. Mas há no Irã um quadro de
equilíbrio, que deve se manter.
Folha - De que forma a presença
militar dos EUA na fronteira iraniana fortaleceu os líderes xiitas?
Roy - Haveria reações de conteúdo nacionalista, e não necessariamente religioso, na remota hipótese de os EUA tentarem derrubar
o regime do Irã. Os iranianos também têm meios para criar problemas para os americanos no Iraque, se quiserem. Eles têm redes
de apoio. Mas não chegaram a
tanto até agora. Estão comedidos.
Folha - O Irã não exerce o poder
religioso sobre os xiitas do Iraque?
Roy - As coisas são um pouco
mais complicadas. A cidade sagrada de Najaf, no sul do Iraque,
torna-se muito rapidamente um
centro de ensino xiita. Com isso,
os aiatolás iranianos tendem a
perder o monopólio teológico que
exerciam quando Saddam reprimia os xiitas iraquianos. Um Iraque mais ou menos democrático e
majoritariamente xiita fará concorrência aos conservadores que
hoje predominam no Irã. É por isso que esses mesmos conservadores iranianos têm todo o interesse
de que a situação do Iraque permaneça como está, com os americanos desgastados pela ocupação.
Folha - Há um consenso de que os
EUA caíram numa armadilha que
eles próprios armaram no Iraque.
Roy - Os EUA se apoderaram do
Iraque segundo a lógica dos neoconservadores. Ou seja, como
uma etapa para a remodelação
institucional do Oriente Médio.
Depois do Iraque viriam a Síria e o
Irã na expansão do modelo liberal
e democrático. Mas há também
no governo americano os pragmáticos, como o secretário de Estado, Colin Powell, para os quais
expandir a ação americana na região criaria mais problemas do
que os que podem ser resolvidos.
Os pragmáticos querem a estabilização do Iraque e a retirada das
tropas. Eu diria que os americanos estão na metade da travessia
de um rio. Ou eles retornam à
margem, ou eles atravessam.
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