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UMA VISÃO ÁRABE
Cidadão repudia, mas
é tolerante com terror
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia os principais trechos da entrevista da professora Hayat Alvi,
da Universidade Americana do
Cairo.
(JBN)
Folha - De que forma congressos
de professores universitários árabes têm abordado o antiarabismo
derivado do 11 de Setembro?
Hayat Alvi - Meu departamento,
o de ciência política, promoveu
um painel em 2001, em que abordamos os efeitos do atentado nas
relações entre os países árabes e
os EUA. Também participei de
um outro painel sobre os americanos de origem árabe e as medidas discriminatórias adotadas pelo governo de Washington contra
essa minoria, como a detenção arbitrária de passageiros retirados
sem justificativa de seus aviões,
interrogatório sem a presença de
um advogado ou fichamento arbitrário de descendentes árabes.
Mas os maiores debates acadêmicos ocorrem nas universidades
dos EUA. Estamos sob risco parecido com o do macarthismo.
Folha - A seu ver o extremismo islâmico está crescendo no Egito?
Alvi - O 11 de Setembro foi um
pretexto para que regimes do
Oriente Médio "dessem um jeito"
em seus próprios extremistas. No
Egito muita gente foi presa e, segundo entidades de direitos humanos, abusos tremendos foram
cometidos. Houve casos de tortura de suspeitos e mortes. O cidadão egípcio médio tem uma reação crítica à política dos EUA para
nossa região. Mas isso não se traduz por atos de hostilidade. O
presidente Mubarak foi duro, temendo a repetição do atentado de
1997, contra turistas, e que afetaram a economia em razão da importância do peso do turismo.
Folha - Mas haveria um ressurgimento religioso forte?
Alvi - Esse ressurgimento existe.
Para uma sociedade que se dizia
laica desde meados dos anos 1950,
é digna de nota a quantidade de
mulheres cobrindo a cabeça com
véus hoje, ou homens em trens ou
vagões de metrô ouvindo em rádios e gravadores pregações e trechos do Alcorão [livro sagrado do
islamismo]. Ou seja, há uma crescente consciência da identidade
religiosa na sociedade egípcia.
Folha - Como um egípcio reage ao
terrorismo na Arábia Saudita?
Alvi - Meus alunos se escandalizaram com atentados contra locais santos islâmicos. A dinastia
saudita não é vista por aqui com
bons olhos. Ela tem a reputação,
sobretudo nos países árabes mais
pobres, de hipócrita e imoral. Mas
tem conseguido relativo sucesso
com o marketing de que é competente na custódia de Meca e Medina e, por isso, sua legitimidade
não é posta em dúvida. O cidadão
egípcio médio sente repulsa pelo
terrorismo. Mas tende a ser compreensivo com extremismos em
razão da ação americana no Iraque e do apoio dos EUA a Israel.
Folha - Para muitos, no Ocidente,
redes de TV árabes como a Al Jazira
estão unificando sentimentos políticos hostis no mundo árabe.
Alvi - Não supervalorizemos a Al
Jazira. A mídia árabe e muçulmana como um todo se tornou mais
eficiente depois da internet. As
TVs egípcias diariamente saturam a telinha com cenas sobre a
opressão israelense e sobre a violência indiscriminada contra palestinos. Isso muitas vezes é enfatizado para desviar a atenção de
problemas domésticos agudos.
Mas não há qualquer novidade
na questão. É claro que a Al Jazira,
baseada em Qatar, tem impacto
pelos efeitos visuais e comentários apimentados em seu noticiário. Lembremos, no entanto, que
grande parte dos árabes não tem
dinheiro para assinar a Al Jazira
ou mesmo comprar um aparelho
de TV. As informações mesmo
assim circulam, nos cafés, nas escolas, nas famílias. As críticas à
ocupação israelense na Cisjordânia e à ocupação do Iraque pelos
EUA são consensuais. Mas essa
"opinião pública" tem pouco poder de intervenção, sobretudo se
estão sob governos autoritários.
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