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O PRESIDENTE DEVE FICAR
Fiasco neoliberal produziu Chávez, diz Hobsbawm
DO ENVIADO ESPECIAL A CARACAS
O britânico Eric Hobsbawm,
um dos maiores historiadores vivos, foi uma das várias personalidades mundiais de esquerda que
assinaram um manifesto em favor do presidente venezuelano,
Hugo Chávez.
"Se eu fosse venezuelano, votaria em Chávez", justificou ele, em
entrevista por e-mail à Folha. Para o autor de "A Era dos Extremos", Chávez, assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é
um fenômeno derivado do fracasso do Consenso de Washington
-receituário neoliberal para os
países emergentes na década de
90.
(FABIANO MAISONNAVE)
Folha - Por que o sr. assinou o documento dos intelectuais em favor
da permanência de Hugo Chávez
no poder?
Eric Hobsbawm - Eu assinei porque, se eu fosse venezuelano, votaria no presidente Chávez.
Folha - A América do Sul tem quatro países com governos de esquerda e centro-esquerda -Brasil, Argentina, Venezuela e Chile. Quais
as semelhanças e as diferenças entre essas experiências?
Hobsbawm - A mudança para a
esquerda na América do Sul é
uma reação ao fracasso, dramaticamente evidente em alguns casos, da política econômica de livre
mercado imposta pelos EUA pelas agências internacionais sob
sua influência, na era do chamado
Consenso de Washington. Sem
esse fracasso, é quase certo que
Lula não teria sido eleito.
A mudança também reflete a
memória da intervenção sistemática durante a Guerra Fria por uns
EUA imperialistas na América
Latina a favor de autoritários e
militaristas de direita e, mais geralmente, dos ricos e corruptos.
Também não devemos esquecer a tradição de simpatia pela Revolução Cubana, que é parte da
herança da esquerda latino-americana, embora não seja necessariamente relevante para as políticas dos governos de esquerda ou
centro-esquerda.
Folha - O sr. considera que Chávez representa uma alternativa
real para a esquerda latino-americana?
Hobsbawm - Não, não creio que
Chávez seja uma "alternativa
real" para a esquerda latino-americana. Os países latino-americanos variam tanto em sua história
específica e situação que não é
possível haver uma única política
para a esquerda que sirva a todos.
Mesmo o tipo de regime que ele
representa -reformistas militares com um apelo direto às classe
pobres e trabalhadoras do país-
não é aplicável em todos os momentos nos países em que ocorreu. Chávez é uma alternativa da
esquerda venezuelana, e não a alternativa. Apesar disso, sem dúvida seu exemplo tem encorajado a
esquerda de outros países.
Folha - Chávez tem sido criticado
por ser autocrático. A ONG Human
Rights Watch divulgou recentemente um relatório segundo o qual
o Judiciário venezuelano está sofrendo uma intervenção aberta do
Executivo. O sr. concorda com essas
críticas?
Hobsbawm - Qualquer líder presidencial forte, não importa se legitimado ou não por uma eleição
popular ou por um plebiscito, é
tentado a abusar de seu poder, a
não ser que seja controlado pela
Constituição e pela lei de seu Estado. Isso se aplica a todos os governos, e não apenas aos impopulares nos EUA.
Qualquer reforma que faça o Judiciário excessivamente solícito
ou mesmo subordinado aos desejos do Executivo deve ser rechaçada. Se a Human Rights Watch
acredita que isso possa ser um perigo na Venezuela, também crê
que isso já seja uma realidade em
muitos outros Estados.
Folha - Apesar de toda a polêmica
com os EUA, a Venezuela de Chávez
tem aumentado sua venda de petróleo para lá. Por que isso ocorre?
Hobsbawm - A natureza do mercado internacional de energia
atual faz com que os países consumidores comprem energia de países produtores, independentemente de argumentos políticos ou
ideológicos. Até onde eu sei, Chávez nunca sugeriu que deixará de
vender petróleo aos EUA. Por que
ele deveria? Foi uma greve da indústria petroleira venezuelana,
organizada por seus opositores,
aplaudida por Washington, que
interrompeu o fornecimento aos
EUA enquanto durou.
Folha - Depois de cinco anos, o
governo Chávez pouco fez para
mudar a dependência do petróleo
e a estrutura econômica do país. Só
resta à esquerda destes dias implementar políticas sociais sem mudanças no modo de produção?
Hobsbawm - Certamente seria
desejável para os países cuja economia depende de apenas um
produto desenvolver uma economia mais diversificada. Apenas
mudar o modo de produção não é
uma garantia de que isso seja alcançado.
A União Soviética dependia de
petróleo e gás para suas exportações tanto quanto a Rússia pós-socialista. Ao mesmo tempo, deveríamos cumprimentar países
cujos governos utilizam a atual situação favorável originária de
suas exportações energéticas para
propósitos sociais mais amplos,
sobretudo para diminuir a desigualdade social, o que aparentemente a Venezuela está fazendo e
diversos outros países produtores
de petróleo espetacularmente não
o fazem.
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