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SOCIEDADE
Estudo de Thomas Sowell sobre os riscos do favorecimento de minorias reacende debate nos EUA sobre o sistema
Livro de negro americano condena cotas
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Enquanto o Brasil discute a instituição de cotas para negros no
ensino universitário, os EUA
-que estão há mais tempo e foram mais longe nessa tentativa de
integração- renovam agora o
debate sobre um mecanismo que
tende a permanecer eternamente
controvertido.
O assunto está de volta com os
50 anos da decisão da Suprema
Corte que julgou inconstitucionais as escolas "segregadas" -de
ensino separado para negros e
brancos. Foi o início do movimento dos direitos civis, que em
1964 obteria ampla lei federal com
a garantia da igualdade racial.
Surgiam então as primeiras iniciativas de ação afirmativa. São
sistemas de cotas ou preferências
que favorecem minorias -negros, índios, hispânicos- explícita ou sutilmente segregadas pelas
universidades ou no trabalho.
Para seus defensores, a ação
afirmativa é um remédio necessário, apesar dos efeitos colaterais
-"segregação inversa" contra os
brancos preteridos.
Para seus adversários, ela é um
fator que gera tensões dentro da
sociedade ao criar problemas
maiores que suas soluções.
O movimento editorial americano reflete essa opinião polarizada. Entre novas monografias e estudos, os adversários da ação afirmativa saíram na frente. Produziram um trabalho de impacto.
Seu autor é Thomas Sowell, pesquisador do Instituto Hudson,
um centro de estudos conservador. Sowell pertencente a uma das
minorias. Ele é negro.
O livro se chama "Affirmative
Action Around the World, an
Empirical Study" (ação afirmativa pelo mundo, um estudo empírico) e foi publicado há dois meses pela Yale University Press.
O autor estuda os casos de EUA,
Índia, Nigéria, Sri Lanka e Malásia. Sua conclusão é a de que favorecer um grupo em detrimento de
outros provoca até guerra civil,
caso do Sri Lanka.
São situações que têm pouco a
ver com o Brasil. Sowell (leia entrevista abaixo) aborda exemplos
de ação afirmativa que protegem
a maioria da sociedade contra
uma minoria mais dinâmica, como os chineses na Malásia, que
controlam a economia e a burocracia estatal locais.
Ou então, como na Nigéria, em
que a guerra interna -nesta semana, 600 cristãos foram massacrados pelos muçulmanos- teria
entre suas origens a tentativa de
subtrair de uma etnia direitos entregues a uma outra.
O caso americano é paradoxal.
Há bibliotecas inteiras que demonstram a melhoria das condições da população negra nas últimas quatro décadas. Mas são imprecisas ou controvertidas as informações sobre o que deriva diretamente da ação afirmativa.
Sheryll Cashin, defensora dessa
política de integração e professora
da Universidade Georgetown, em
Washington, disse à Folha que ela
própria não sabe quais dos seus
alunos obteve matrícula por meio
do sistema de preferências. Não é
algo que se torne público.
"A ação afirmativa ajudou a
criar uma classe média negra que
inexistia nos anos 50", diz ela. Na
época, era raro encontrar um negro em escritórios de advocacia,
em empresas de consultoria.
Cashin diz ainda que, em meados do século 21, os EUA serão
um país em que a atual maioria
será minoritária. "Precisamos estimular a competitividade do
país. Não podemos ser competitivos sem que todos façam parte da
comunidade. A ação afirmativa
ajudou o país a se preparar para
esse momento", diz ela.
Ela ainda afirma que a ação afirmativa só provoca tensões na sociedade quando se baseia num
sistema rígido de cotas. Os preteridos reagem, protestam.
Se a ação afirmativa não é objeto
de um código ou de uma ampla
legislação federal, suas aplicações
têm sido normalizadas por meio
de decisões da Suprema Corte.
Foi ela que, em 1998, determinou que o sistema de cotas era
discriminatório e inconstitucional. Em 2003, também considerou inconstitucional um sistema
de pontuação que dava aos negros 20 dos 90 pontos necessários
para se matricular numa faculdade da Universidade de Michigan.
Ao longo dos anos, a ação afirmativa também tem sofrido recuos no plano regional. Dois
exemplos: em 1996, em referendo,
a Califórnia aboliu preferências
no recrutamento de minorias para o funcionalismo ou na escolha
de empreiteiras de trabalhos públicos. Dois anos depois, o mesmo ocorreria, também por referendo, no Estado de Washington.
Em 2000, a Assembléia da Flórida substituiu a ação afirmativa no
sistema de acesso à universidade
estadual por um sistema que beneficiaria só os 20% melhores alunos das escolas secundárias. Sistema parecido vigora no Texas.
É impossível concluir, no entanto, que haja um recuo do mecanismo no plano nacional. Há hoje
mais empresas envolvidas, por
questão de imagem ou porque é
politicamente correto, na contratação de minorias.
Os adversários da ação afirmativa afirmam que a preferência para
minorias põe por terra o sistema
de seleção pelo mérito e torna a
sociedade menos eficiente.
Terry Anderson, professor de
história americana e autor de
""The Pursuit of Fairness: a History of Affirmative Action" (a
busca da justiça, uma história da
ação afirmativa), disse que o risco
é quase sempre contornado pelo
que os americanos chamam de
"reach out" (buscar fora).
As universidades identificam
nas escolas secundárias os estudantes mais brilhantes. Investe
neles, dando-lhes cursos de verão.
Ao ingressarem pelo sistema de
preferência, será mínima ou inexistente a diferença de sua qualificação com a de um aluno branco.
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