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UGANDA
Acusado de matar até 300 mil pessoas, estava em coma em hospital saudita e morreu sem ser julgado por seus crimes
Morre Idi Amin, ditador acusado de genocídio
MICHAEL T. KAUFMAN
DO "THE NEW YORK TIMES", EM JIDDA
Morreu ontem num hospital
em Jidda o ditador Idi Amin Dadá, que por oito anos (1971-79)
chefiou um reino de terror em
Uganda marcado por torturas e
mortes em grande escala, além de
ter deixado seu país depauperado.
Acredita-se que tivesse 80 anos.
Amin morreu no hospital Rei
Faiçal, onde estava internado, sobrevivendo com a ajuda de aparelhos, desde o dia 18 do mês passado. Quando foi internado, já se
encontrava em coma e apresentava alta pressão sanguínea. Mais
tarde, segundo os médicos, sofreu
insuficiência renal.
Durante boa parte dos anos
1970 o robusto, sádico e telegênico déspota chamou a atenção do
mundo, ostentando seus poderes
tirânicos, atirando insultos bizarros contra líderes mundiais e encenando manifestações pomposas de majestade.
Num contraste marcante com
essa fase, seus últimos 24 anos de
vida foram passados em isolamento forçado na Arábia Saudita,
onde as autoridades fizeram
questão de que vivesse discretamente depois que, acompanhado
de suas quatro esposas e mais de
30 filhos, ele fugiu de Uganda
pouco antes da chegada da força
invasora de tropas tanzanianas e
exilados ugandenses que derrubou seu regime. Convertido ao islamismo, Amin fugiu primeiro
para a Líbia e depois para o Iraque, antes de encontrar pouso seguro na Arábia Saudita, em 1979.
Ele era visto no país de vez em
quando por estrangeiros, sem falar com ninguém.
Na época de sua fuga, a devastação que provocara em seu país já
estava plenamente exposta no
que restou de Uganda, um país
fértil e rico que Winston Churchill
chegou a descrever como a pérola
da África. Embora o número exato dos mortos sob suas ordens
ainda seja uma incógnita, a cifra
contabilizada por exilados e grupos internacionais de direitos humanos chega a quase 300 mil vítimas, numa população total de 12
milhões de habitantes.
Os massacrados eram, em sua
maioria, pessoas anônimas
-agricultores, estudantes, comerciantes e outros que foram
mortos a tiros ou obrigados a matar-se uns aos outros a cacetadas,
forçados pelos integrantes de três
esquadrões da morte, dois dos
quais eram conhecidos pelos nomes enganosos e assustadores de
Unidade de Segurança Pública e
Burô de Pesquisas do Estado. Ao
lado do terceiro órgão de terror, a
polícia militar, essas forças, cujo
contingente total chegava a 18 mil
homens em sua maioria recrutados da região natal de Amin, frequentemente escolhiam suas vítimas por quererem seu dinheiro,
seus carros, suas casas ou suas
mulheres. Ou, então, por serem
inimigos dos grupos tribais aos
quais elas pertenciam.
Mas centenas de mortos também eram pessoas muito conhecidas, homens e mulheres de destaque cujas mortes eram assuntos
públicos, realizadas de maneiras
que visavam justamente chamar a
atenção pública, aterrorizar os vivos e transmitir a todos a mensagem que era de fato Idi Amin que
os queria mortos. Entre eles havia
ministros de gabinete antigos ou
em exercício, juízes da Suprema
Corte, diplomatas, reitores de
universidades, pedagogos, membros importantes do clero anglicano e católico, diretores de hospitais, cirurgiões, banqueiros, líderes tribais e empresários. Além
de ugandenses, os mortos também incluíam alguns estrangeiros, entre eles Dora Bloch, uma israelense de 73 anos que foi arrancada de um hospital em Campala
e morta, em 1976, depois que comandos israelenses desembarcaram no aeroporto de Entebe para
resgatar cem outros israelenses
que tinham sido feito reféns, juntamente com ela, após o sequestro
de um avião da Air France por terroristas palestinos e alemães.
Antes da matança chegar ao auge, Amin já ganhara fama internacional por exercer um governo
impulsivo e draconiano em função da expulsão do país, em 1972,
de 40 mil descendentes de asiáticos residentes em Uganda. Essas
pessoas, em sua maioria descendentes de terceira geração de trabalhadores levados pelos britânicos do subcontinente indiano para construir uma ferrovia em
Uganda, desempenhavam papel
dominante na economia do país.
"Se não partirem, vão se ver
sentados em cima de fogo", avisou Amin, fixando um prazo limite de três meses dentro do qual o
Reino Unido seria obrigado a
aceitar os asiáticos ugandenses.
Eles fugiram do país, deixando
para trás suas empresas, casas e
bens pessoais, que foram divididos entre os favoritos do regime.
À medida que as notícias sobre
o horror e o sofrimento crescentes
foram chegando ao resto do mundo, Idi Amin começou a responder em termos que aumentaram
ainda mais o ultraje. Usando as
insígnias de pára-quedista israelense que ganhara num curso de
treinamento militar feito em Tel
Aviv, ele declarou que Hitler tivera razão em matar 6 milhões de
judeus. Amin chamou o presidente zambiano Kenneth Kaunda
de ""fantoche imperialista e lambedor de botas", descreveu o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger como ""espião e assassino" e disse que esperava que a rainha Elizabeth 2ª lhe
enviasse ""suas calcinhas de 25
anos de idade" para comemorar o
25º aniversário de sua coroação.
Em outros comentários, ele se
ofereceu para tornar-se rei da Escócia e liderar seus súditos celtas
para ganhar a independência do
Reino Unido. E obrigou habitantes brancos de Campala a carregá-lo num trono e ajoelhar-se.
A brutalidade escandalosa, associada ao comportamento aparentemente errático do ditador e
aos insultos calculados que ele atirava à sua volta, suscitaram aversão a Idi Amin, mas também fascínio por sua figura, não apenas
em Uganda mas fora do país. Alguns nacionalistas africanos
aplaudiram abertamente a expulsão dos asiáticos e os insultos que
ele lançava contra europeus. Líderes árabes radicais, tendo à sua
frente o líbio Muammar al Gaddafi, buscaram aliar-se a Amin, e a
União Soviética fez o mesmo por
algum tempo. Outros, porém,
questionaram sua sanidade.
Seu pai era agricultor da pequena tribo kakwa, e sua mãe era da
tribo lugbara. Pouco após seu
nascimento, seus pais se separaram e sua mãe o levou para viver
em assentamentos núbios em cidades de Uganda.
Em 1946 Idi Amin entrou para o
regimento dos Rifles Africanos do
Rei, como assistente de cozinheiro. Anos mais tarde, conferiu a si
mesmo a patente de marechal-de-campo e cobriu seu peito maciço
de medalhas Com mais de 1,90
metro de altura e constituição forte, Amin atraiu a atenção dos comandantes britânicos como tipo
físico impressionante que poderia
transmitir e impor ordens -um
ideal sargento colonial.
Ele praticava boxe, e durante
nove anos foi o campeão dos pesos pesados de Uganda.
Depois que Amin se nomeou
presidente vitalício, outro de seus
antigos comandantes, o major
Iain Grahame, o caracterizou como ""uma pessoa incrível que certamente não é louca -muito astuto, arguto, um líder nato."
Houve poucos pontos negativos
em seu registro militar. Um deles
foi que ele foi acusado de não se
tratar de uma doença venérea.
Pode ter sido essa a base das alegações não comprovadas de que
seu comportamento errático refletiria a degeneração mental decorrente de uma sífilis.
Dentro do país o povo dançava
e brindava seu novo líder. No exterior, Amin também foi aplaudido. À luz dos planos anunciados
pelo deposto Milton Obote de nacionalizar as propriedades britânicas no país, a reação de Londres
à tomada do poder por Amin foi
favorável. Israel, que tinha grandes projetos de construção em
Uganda e também tinha colaborado estreitamente com Amin,
também achou que iria se beneficiar com a troca de poder.
Em 1976, um avião da Air France que ia de Tel Aviv a Paris foi sequestrado por terroristas palestinos e alemães e depois levado ao
aeroporto de Entebe, perto de
Campala. Comandos de Israel
atacaram o aeroporto, libertaram
os 102 reféns e mataram os terroristas, numa das maiores humilhações sofridas pelo ditador.
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