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FÉ NO VOTO
Vitória de partido islâmico pragmático na Turquia pode inspirar a democracia muçulmana em outro países
Islamismo político flerta com a moderação
MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO
A Turquia começou a viver neste mês uma experiência política
que, se bem-sucedida, pode abrir
caminho para o fortalecimento de
partidos islâmicos moderados em
outros países do Oriente Médio.
Grande vitorioso na eleição parlamentar de 3 de novembro, o
Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), liderado por Tayyip Erdogan, representa uma escalada do pragmatismo político
no mundo do islã.
Após desafiar por três décadas o
Exército e a elite do país, o movimento islâmico turco decidiu se
reformular para chegar ao poder.
Após sucessivas proibições de
seus partidos -banidos por ferir
a norma constitucional que determina que a Turquia deve ser um
Estado secular-, sua nova versão
"light" promete inovar. Deseja ser
um equivalente muçulmano à democracia cristã européia.
Em outras palavras, seria um
governo liberal "que represente
os valores da família e considere o
papel da religião no sistema educacional, mas certamente sem
exageros", como observa William
Hale, diretor do programa de Estudos Turcos Modernos da Universidade de Londres.
A cultura islâmica -parte fundamental da identidade nacional- estará na agenda do AKP.
Entretanto, se quiserem sobreviver no poder, Erdogan e seus aliados terão de deixar de lado idéia
comum entre os partidos radicais
islâmicos: a implementação da
sharia (código de leis do islã).
"Outros líderes islâmicos no
Oriente Médio podem estar observando o caso turco", diz Hale.
"Os exemplos mais próximos ao
AKP na região são a Irmandade
Muçulmana, tanto a do Egito
quanto a da Jordânia, embora, no
geral, o AKP seja menos fundamentalista que eles."
Posição dos EUA
Na opinião de John L. Esposito,
professor de religião e relações internacionais da Universidade
Georgetown, apesar dos esforços
dos EUA para apresentar qualquer movimento religioso do
mundo muçulmano como extremista, é possível fazer uma distinção entre os partidos violentos e
aqueles dispostos a aderir às regras democráticas.
Esse é o caso não só da Irmandade Muçulmana, mas também
de partidos islâmicos em países
diversos como Marrocos, Kuait e
Paquistão, entre outros.
"O desafio para a política externa americana será resistir à posição de muitos de seus conselheiros, que tentam pintar qualquer
forma de islamismo político como extremismo", observa ele.
"Os EUA precisam perceber
que a política muçulmana não é
monolítica, ela é diversificada."
Os efeitos dos atentados de 11 de
setembro poderiam contribuir
também para que a idéia da democracia muçulmana contagiasse, além dos partidos islâmicos já
consolidados e com representantes parlamentares, os grupos extremistas islâmicos.
Para sobreviver e não serem vistos como aliados da Al Qaeda, alguns deles precisam moderar o
linguajar e aderir ao processo político. Caso contrário, seriam alvo
dos EUA e de regimes aliados a
Washington. Esse é o caso, embora de forma ainda ambígua, do
Gama'a Islamia egípcio, grupo
conhecido por assassinar turistas
estrangeiros no país, que declarou
um cessar-fogo incondicional
após os ataques ao World Trade
Center e ao Pentágono.
Ainda incipiente, a idéia da democracia muçulmana que começa a ganhar força na Turquia deve, porém, esbarrar no histórico
autoritarismo dos governos do
Oriente Médio.
Enquanto os turcos votam livremente em pleitos multipartidários, as eleições em seus países vizinhos não passam de encenações
teatrais para conferir um verniz
de legitimidade aos ditadores.
Ainda assim, o avanço de um islamismo político moderado poderia contribuir para o processo
de democratização na região.
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