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FÉ NO VOTO
Para estudioso americano, assim como o Vaticano deixou de condenar a democracia para apoiá-la, islã pode mudar
"Islã pode caminhar à democratização"
DA REDAÇÃO
Assim como no Ocidente cristão, onde a democracia foi o resultado de um longo processo histórico, o mundo islâmico pode passar por uma transição dos atuais
regimes autoritários rumo a sistemas políticos pluralistas.
É o que diz John L. Esposito,
professor de religião e relações internacionais da Universidade
Georgetown e importante pesquisador do islamismo político.
Na visão de Esposito, o fortalecimento de partidos moderados
muçulmanos e a distinção entre
estes e os grupos extremistas poderiam estimular a democratização no Oriente Médio. Leia trechos da entrevista que ele concedeu à Folha, por telefone.
(MARCELO STAROBINAS)
Folha - Qual o significado da vitória do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) na Turquia?
John Esposito - O AKP mostrou
como um partido inicialmente islâmico pode ampliar suas bases.
Agora, é identificado como um
partido nacional, muçulmano-democrata, a exemplo dos partidos democrata-cristãos. Busca incluir tanto islâmicos quanto não-islâmicos e pessoas seculares. É
um partido que se projetou falando a todo o povo e apresentando
uma agenda política e econômica.
Teremos de ver se esse partido
pode provar que é o que diz ser:
pluralista e inclusivo. Se isso ocorrer, dará um exemplo de como a
política muçulmana é capaz de
ser diversificada e pronta para
responder às diferentes realidades
de cada país.
Folha - Qual é a plataforma de um
partido "muçulmano-democrata"?
Esposito - O que eles dizem é o
seguinte: a Turquia é um país muçulmano e, assim, ser um partido
nacional turco é ser um partido
muçulmano. Mas se distinguem
dos partidos militantes islâmicos,
ao dizer: "As pessoas que votam
em nós representam a diversidade que existe na Turquia, aqueles
que são religiosos e os que não
são". O seu objetivo é ser um partido capaz de responder aos desafios políticos, econômicos e sociais do país, e não ser um partido
religioso que busca estabelecer
uma república islâmica.
Da mesma maneira, os partidos
democrata-cristãos representam
a herança e a história cristãs, mas
vêem a si mesmos como partidos
nacionais, que não advogam por
um Estado cristão.
Folha - Seria, portanto, um partido muçulmano que aceita a separação entre igreja e Estado?
Esposito - Sim. Eles acreditam
num secularismo do tipo que encontramos nos EUA e em muitas
partes da Europa. É importante
destacar que o secularismo e a sua
separação entre Estado e igreja
não é anti-religioso.
Muitas vezes, a elite secular da
Turquia achou que ser laico fosse
ser contra a religião. Na Europa, a
noção de secularismo é a de que
todas as religiões podem existir e
as pessoas, acreditando ou não
em alguma fé, possuem a mesma
cidadania. Isso é o que esse partido turco diz querer representar.
Folha - Outros países da região
poderiam imitar esse modelo de
democracia muçulmana?
Esposito - Isso depende da história e da natureza de cada Estado.
Há, porém, possibilidade de um
processo similar em locais como o
Egito, a Síria ou o Líbano.
Assim como pode haver diversidade entre partidos seculares,
pode haver diferentes formas de
partidos que queiram incluir a religião em sua identidade.
Folha - O surgimento, no Egito ou
na Jordânia, de movimentos como
o AKP turco poderia servir como
meio-termo entre os regimes autoritários e os extremistas islâmicos?
Esposito - Sim. Esse tipo de partido seria uma alternativa mais
confortável em países onde há
minorias cristãs ou pessoas seculares. Também creio que partidos
islâmicos mais religiosos, se forem pluralistas em termos políticos e religiosos, possam funcionar
numa sociedade muçulmana.
Folha - Os principais movimentos
políticos islâmicos do Oriente Médio estão se tornando mais radicais
ou mais moderados e pragmáticos?
Esposito - Não os vejo como radicais no sentido de serem violentos ou extremistas. A Irmandade
Muçulmana, no Egito e na Jordânia, tenta criar um apelo político
amplo e se tornar mais pluralista.
As dificuldades, entretanto, não
resultam apenas do perigo do extremismo religioso. Por muito
tempo, a dificuldade tem sido o
autoritarismo estatal. Muitos desses governos não são autoritários
só porque tentam proteger o Estado da religião. São autoritários
porque buscam se proteger de
qualquer oposição significativa.
A realidade nas últimas décadas
tem sido que os principais partidos de oposição têm a religião como base. É por isso que esses regimes se concentram na questão
dos partidos religiosos.
O perigo é quando esses regimes não distinguem movimentos
extremistas violentos, que devem
ser reprimidos, de partidos religiosos "mainstream", que funcionam dentro da sociedade. O governo autoritário apresenta todos
eles como uma coisa só.
Folha - A guerra ao terrorismo pode levar grupos radicais a moderar
posições para não virarem alvos?
Esposito - Nos últimos dez ou 15
anos vimos partidos muçulmanos participando de eleições na
região e ocupando cadeiras no
Parlamento. O perigo é se a guerra
ao terrorismo se tornar uma desculpa para os regimes autoritários
reprimirem qualquer tipo de oposição. A guerra ao terrorismo deveria ter como alvo grupos extremistas violentos, e não os partidos
muçulmanos. Se a distinção não
for feita, ela poderia criar mais extremistas do que eliminá-los.
Folha - O que é melhor para os
EUA: apoiar regimes autoritários
ou grupos islâmicos moderados?
Esposito - Os EUA estariam melhor se tentassem pressionar os
governos aliados a abrir seus sistemas políticos. A verdadeira
questão é se esses governos vão
ou não deixar para trás a cultura
do autoritarismo e se dirigir rumo
a uma cultura com base em ampla
participação política -sejam
partidos seculares ou religiosos.
Os princípios básicos dos EUA
ao lidar com a questão devem ser
o apoio ao direito à autodeterminação e à democratização a quem
quer que obtenha a liderança dessas sociedades. Se partidos alternativos emergirem participando
do sistema, via eleições, os EUA
devem defender seus princípios
de autodeterminação.
Folha - O que o sr. acha do argumento que sustenta que o islamismo e a democracia não combinam?
Esposito -Como qualquer religião -o catolicismo, por exemplo-, o islamismo é capaz de
avançar de um passado em que os
reinados eram baseados em direito divino e fazer uma transição.
Por muitas décadas, o Vaticano
condenou a democracia. Tudo isso mudou nas últimas décadas.
Meu argumento é que o mesmo
pode acontecer com o islã. Isso
não significa que não haverá dentro do islã aqueles que interpretarão a religião de forma não-democrática. Mas, se olharmos o
exemplo do último século, veremos extremismo, mas também
partidos políticos islâmicos que
participaram de eleições e atuaram em Parlamentos no Egito, na
Jordânia, na Malásia, no Paquistão, na Turquia. Seus integrantes
já premiês ou ministros.
É necessário lembrar que essas
pessoas existem e não igualá-las
aos extremistas. É preciso fazer a
distinção entre esses dois grupos.
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