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ARMAGEDDON
Cálculo ignorou estragos pelo fogo, o que levou o país a ter arsenal muito maior que o necessário contra a URSS
EUA minimizaram dano da bomba atômica
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Os estrategistas norte-americanos subestimaram os danos das
armas nucleares, e o resultado foi
a criação de um arsenal nuclear
muito maior que o necessário para a dissuasão da antiga União Soviética. Essa conclusão está em
um artigo publicado na atual edição do "Bulletin of the Atomic
Scientists" da pesquisadora Lynn
Eden, da Universidade Stanford,
Califórnia.
Os métodos usados para calcular o dano das bombas foram criados em 1947 e 1948 e levavam em
conta principalmente o choque
causado pela explosão, deixando
de lado os incêndios que se seguem. Mas os incêndios atingem
área bem maior.
Bombas incendiárias
"Tempestades de fogo" foram
criadas em Hiroshima e Nagasaki,
mas também durante ataques aéreos com bombas convencionais
na Segunda Guerra.
O ataque com bombas incendiárias sobre Tóquio, uma cidade
repleta de casas de madeira e papel, criou furacões de fogo. O
mesmo aconteceu com os ataques
anglo-americanos contra Hamburgo e Dresden, na Alemanha.
"O fracasso sistemático em avaliar os danos de incêndio não foi
feito deliberadamente, como um
meio de subestimar os danos e assim superestimar as necessidades
de armas", disse Eden à Folha.
"Na verdade, essa avaliação errada surgiu de uma questão de entendimento da missão da Força
Aérea dos Estados Unidos", continua a pesquisadora.
Apesar de ter usado bombas incendiárias na Segunda Guerra, a
aviação dos EUA entendia que
sua missão era destruir alvos com
alto explosivo, obliterando estruturas com o choque da explosão,
segundo Eden. Essa mesma ênfase foi transplantada para as armas
nucleares.
A ênfase é curiosa quando se
têm em mente a destruição maciça por fogo de cidades alemãs e japonesas, cometida e conhecida
pelos norte-americanos. Como
seria possível não levar isso em
conta?
"A resposta curta a essa pergunta é que, embora eles saibam que
aconteceu, eles não achavam que
esse dano pudesse ser previsto
com confiabilidade como o dano
por choque explosivo", declara a
pesquisadora.
De acordo com Eden, a falha
permaneceu a mesma nos últimos 50 anos.
"Como resultado, qualquer decisão dos EUA de usar armas nucleares quase certamente seria
fundamentada em informação
insuficiente e enganadora. Se armas nucleares fossem usadas, os
efeitos físicos, sociais e políticos
poderiam ser bem mais destrutivos do que antecipado", afirma
Eden.
Lógica nuclear própria
O planejamento da guerra nuclear tem uma lógica própria
-basicamente, o desejo de destruir um grande número de alvos
simultaneamente e ter certeza que
o alvo foi destruído lançando
mais de uma bomba nele.
Some-se a isso uma estimativa
de danos baseada apenas no choque explosivo -e não nos incêndios, que afetam uma extensão
bem maior-, e o resultado é um
arsenal de milhares de armas nucleares.
Eden compara a atitude de ignorar o dano dos incêndios com a
vulnerabilidade das torres do
World Trade Center ao choque
com aviões, ou às falhas de projeto do Titanic.
Nos três casos, os responsáveis
ignoraram algo importante do
mundo físico. Não foi apenas o
choque dos aviões, mas o fato de
terem muito combustível que
causou a queda das torres, assim
como o aço do Titanic e seus compartimentos estanques não eram
adequados em caso de choque
com um iceberg.
Houve momentos na Guerra
Fria entre os Estados Unidos e a
então União Soviética que estrategistas americanos pensaram na
hipótese de usar armas nucleares.
Foi o caso da intervenção chinesa
na Guerra da Coréia (1950-1953),
que quase causou a derrota dos
americanos e seus aliados.
Na crise dos mísseis em Cuba,
em 1962, os dois lados também estiveram perto de um confronto
nuclear. Se os danos não fossem
tão arrasadores, a tentação de
usar a bomba seria maior.
A alternativa de usar a bomba
foi sempre descartada, em parte
pelo catastrófico efeito político,
em parte pela falta de alvos adequados.
300 kilotons
Eden simula em seu artigo o que
aconteceria em Washington se
uma bomba de 300 kilotons caísse
sobre o Pentágono, a sede do Departamento da Defesa (veja ilustração acima).
Um kiloton tem o poder explosivo equivalente a mil toneladas
de TNT. A bomba lançada em
Hiroshima em 1945 tinha 15 kilotons, a que arrasou Nagasaki logo
em seguida tinha 21 kilotons, segundo estimativas do governo
americano.
A explosão de apenas uma
bomba sobre Washington, apesar
da sua grande potência, está mais
próxima da idéia de um atentado
terrorista do que de um ataque
militar. EUA e URSS tinham
apontadas dezenas de bombas
para as capitais inimigas- e ainda têm, embora menos.
Especialistas nos efeitos das armas nucleares, como o engenheiro nuclear Theodore Postol e o físico Harold Brode, estimam que,
em armas nucleares com potência
de mais de 100 kilotons, o alcance
da destruição pelo fogo seria bem
maior que o do choque explosivo.
A bola de fogo tem uma física
própria, o que torna esses exemplos diferentes de outros grandes
incêndios em cidades. Ignições simultâneas provocam um calor altíssimo que atrai com força o ar
em volta, criando verdadeiros redemoinhos de fogo.
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