São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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ARMAGEDDON

Cálculo ignorou estragos pelo fogo, o que levou o país a ter arsenal muito maior que o necessário contra a URSS

EUA minimizaram dano da bomba atômica

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os estrategistas norte-americanos subestimaram os danos das armas nucleares, e o resultado foi a criação de um arsenal nuclear muito maior que o necessário para a dissuasão da antiga União Soviética. Essa conclusão está em um artigo publicado na atual edição do "Bulletin of the Atomic Scientists" da pesquisadora Lynn Eden, da Universidade Stanford, Califórnia.
Os métodos usados para calcular o dano das bombas foram criados em 1947 e 1948 e levavam em conta principalmente o choque causado pela explosão, deixando de lado os incêndios que se seguem. Mas os incêndios atingem área bem maior.

Bombas incendiárias
"Tempestades de fogo" foram criadas em Hiroshima e Nagasaki, mas também durante ataques aéreos com bombas convencionais na Segunda Guerra.
O ataque com bombas incendiárias sobre Tóquio, uma cidade repleta de casas de madeira e papel, criou furacões de fogo. O mesmo aconteceu com os ataques anglo-americanos contra Hamburgo e Dresden, na Alemanha.
"O fracasso sistemático em avaliar os danos de incêndio não foi feito deliberadamente, como um meio de subestimar os danos e assim superestimar as necessidades de armas", disse Eden à Folha. "Na verdade, essa avaliação errada surgiu de uma questão de entendimento da missão da Força Aérea dos Estados Unidos", continua a pesquisadora.
Apesar de ter usado bombas incendiárias na Segunda Guerra, a aviação dos EUA entendia que sua missão era destruir alvos com alto explosivo, obliterando estruturas com o choque da explosão, segundo Eden. Essa mesma ênfase foi transplantada para as armas nucleares.
A ênfase é curiosa quando se têm em mente a destruição maciça por fogo de cidades alemãs e japonesas, cometida e conhecida pelos norte-americanos. Como seria possível não levar isso em conta?
"A resposta curta a essa pergunta é que, embora eles saibam que aconteceu, eles não achavam que esse dano pudesse ser previsto com confiabilidade como o dano por choque explosivo", declara a pesquisadora.
De acordo com Eden, a falha permaneceu a mesma nos últimos 50 anos.
"Como resultado, qualquer decisão dos EUA de usar armas nucleares quase certamente seria fundamentada em informação insuficiente e enganadora. Se armas nucleares fossem usadas, os efeitos físicos, sociais e políticos poderiam ser bem mais destrutivos do que antecipado", afirma Eden.

Lógica nuclear própria
O planejamento da guerra nuclear tem uma lógica própria -basicamente, o desejo de destruir um grande número de alvos simultaneamente e ter certeza que o alvo foi destruído lançando mais de uma bomba nele.
Some-se a isso uma estimativa de danos baseada apenas no choque explosivo -e não nos incêndios, que afetam uma extensão bem maior-, e o resultado é um arsenal de milhares de armas nucleares.
Eden compara a atitude de ignorar o dano dos incêndios com a vulnerabilidade das torres do World Trade Center ao choque com aviões, ou às falhas de projeto do Titanic.
Nos três casos, os responsáveis ignoraram algo importante do mundo físico. Não foi apenas o choque dos aviões, mas o fato de terem muito combustível que causou a queda das torres, assim como o aço do Titanic e seus compartimentos estanques não eram adequados em caso de choque com um iceberg.
Houve momentos na Guerra Fria entre os Estados Unidos e a então União Soviética que estrategistas americanos pensaram na hipótese de usar armas nucleares. Foi o caso da intervenção chinesa na Guerra da Coréia (1950-1953), que quase causou a derrota dos americanos e seus aliados.
Na crise dos mísseis em Cuba, em 1962, os dois lados também estiveram perto de um confronto nuclear. Se os danos não fossem tão arrasadores, a tentação de usar a bomba seria maior.
A alternativa de usar a bomba foi sempre descartada, em parte pelo catastrófico efeito político, em parte pela falta de alvos adequados.

300 kilotons
Eden simula em seu artigo o que aconteceria em Washington se uma bomba de 300 kilotons caísse sobre o Pentágono, a sede do Departamento da Defesa (veja ilustração acima).
Um kiloton tem o poder explosivo equivalente a mil toneladas de TNT. A bomba lançada em Hiroshima em 1945 tinha 15 kilotons, a que arrasou Nagasaki logo em seguida tinha 21 kilotons, segundo estimativas do governo americano.
A explosão de apenas uma bomba sobre Washington, apesar da sua grande potência, está mais próxima da idéia de um atentado terrorista do que de um ataque militar. EUA e URSS tinham apontadas dezenas de bombas para as capitais inimigas- e ainda têm, embora menos.
Especialistas nos efeitos das armas nucleares, como o engenheiro nuclear Theodore Postol e o físico Harold Brode, estimam que, em armas nucleares com potência de mais de 100 kilotons, o alcance da destruição pelo fogo seria bem maior que o do choque explosivo.
A bola de fogo tem uma física própria, o que torna esses exemplos diferentes de outros grandes incêndios em cidades. Ignições simultâneas provocam um calor altíssimo que atrai com força o ar em volta, criando verdadeiros redemoinhos de fogo.


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