|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Desafio é conquistar a "legitimidade de gestão"
DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES
Mesmo que fosse contratado
para marqueteiro de Néstor
Kirchner, presidente eleito da Argentina, o publicitário Duda
Mendonça não poderia reproduzir a frase "a esperança venceu o
medo", achado retórico do PT.
O medo de fato foi derrotado, a
julgar por todas as pesquisas. Medo de que voltasse ao poder Carlos Saúl Menem, o presidente cujo
modelo criou as bombas de tempo que estouraram no colo de seu
sucessor.
Medo tão grande que faz um
dos melhores colunistas argentinos, Horácio Verbitsky (do jornal
"Página 12"), atribuir a ele o fato
de que não se repetiu o voto de
protesto que marcou o pleito anterior (as legislativas de 2001).
"O temor do eventual regresso
[de Menem] é a explicação necessária e suficiente para a mínima
porcentagem de votos nulos ou
em branco, tão baixa como nas
eleições de 1946, 1952 e 1973, nas
quais o justicialismo [peronismo]
apresentou como candidato seu
líder e fundador" [o general Juan
Domingo Perón].
Posto de outra forma: a montanha de votos (em torno de 70%)
que todas as pesquisas indicavam
que Kirchner obteria no segundo
turno não seria dele, mas contra
Menem.
Não dá, portanto, para dizer que
a esperança venceu o medo. Pesquisa feita nesta semana por Enrique Zuleta Puceiro mostra que o
grau de expectativas em relação à
gestão Kirchner é muito baixo, o
que é coerente com a sua reduzida
votação no primeiro turno, que
acabou sendo único (22,24%).
Em tese, portanto, o primeiro
desafio de Kirchner, com baixa legitimidade de urna, é obter o que
dez em dez analistas argentinos
batizaram de "legitimidade de
gestão". É, de resto, o óbvio. Presidentes só ganham ou perdem popularidade pelo que fazem no governo. A história recente do país é
emblemática, no dizer de Mario
Wainfeld, do "Página 12":
"Fernando de la Rúa amanheceu com muitos votos e um clima
de opinião propício e foi liquefazendo sua legitimidade a uma velocidade espantosa. Eduardo Duhalde nasceu com zero voto, seu
prestígio caiu ao segundo subsolo
nos primeiros meses de gestão e,
em seguida, recuperou-se".
Como Kirchner já anunciou a
manutenção de Roberto Lavagna,
o ministro da Economia de Duhalde, e como a condução econômica é obviamente a chave, um
primeiro tímido passo está dado
para a "legitimidade de gestão".
Tudo o mais, no entanto, é de
uma complicação formidável, da
crise econômica à social.
Primeiro, o calendário eleitoral.
Na Argentina, as eleições não são
simultâneas, como no Brasil. Haverá eleições para os governos
provinciais ao longo do ano e renovação de parte do Congresso
em outubro. Só então surgirá a
nova cara política do país.
Até lá, Kirchner terá de conviver
com a fragmentação do peronismo, que é a maioria relativa na
Câmara e absoluta no Senado.
O cancelamento do segundo
turno, pela desistência de Menem, impediu que se produzisse
um rearranjo no partido. Esperava-se que o vencedor da eleição
(um peronista, porque ambos os
finalistas eram peronistas) puxasse para o seu lado os seguidores
dos dois derrotados (no primeiro
turno, concorreu também Adolfo
Rodríguez Saá, presidente por
uma semana em 2001).
Não é o que está acontecendo.
Rodríguez Saá acaba de lançar como corrente autônoma o seu
MNyP (Movimento Nacional e
Popular).
O bloco "Azul e Branco", criado
pelos congressistas ligados a Menem, decidiu manter-se ativo,
apesar da renúncia do chefe.
Na prática, é visível que ambos
os grupos peronistas esperam a
"legitimidade de gestão", ou seja,
ver se os primeiros movimentos
de Kirchner terão amparo popular para decidir se o apóiam.
É natural na política, embora se
possa lamentar: a sorte política individual pesa mais, em geral, do
que considerações sobre governabilidade, unidade partidária etc.
Tudo somado, Kirchner terá de
operar, na prática, e não no slogan, a demonstração de que é capaz de reinstalar a esperança em
uma sociedade que não esconde a
baixa auto-estima em que caiu a
partir do fracasso de mais uma
mágica, a do projeto neoliberal
com câmbio fixo de Menem.
(CR)
Texto Anterior: Grito "que se vayan todos" fica parado no ar Próximo Texto: Kirchner é "deus" e "diabo" em Santa Cruz Índice
|