São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Redução dos arsenais nucleares dos EUA e da Rússia será pequena

DA REDAÇÃO

Na última segunda, Washington e Moscou anunciaram a assinatura de um "histórico" tratado de redução de armas nucleares numa cúpula entre os presidentes George W. Bush e Vladimir Putin, que ocorrerá na próxima sexta. Ambos concordaram em cortar seus arsenais de armas estratégicas em cerca de dois terços.
Não faltaram elogios ao acordo. Para Bush, ele "tornará o mundo mais pacífico". Já Putin expressou contentamento com os "esforços conjuntos". Se, com efeito, politicamente, o tratado tem méritos, seu efeito será irrelevante no campo geoestratégico, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Na esfera política, ele é importante porque revela que as superpotências da Guerra Fria conseguem debater questões delicadas e chegar a um consenso. Também "demonstra" à comunidade internacional que ainda existe certa paridade entre elas embora, na prática, isso seja fictício. Ademais, o fato de que o novo tratado será firmado em solo russo tem grande peso simbólico para Moscou.
No âmbito geoestratégico, contudo, ele quase constitui um retrocesso, pois, selando o acordo, Moscou aquiesce indiretamente ao fim do Tratado Antimísseis Balísticos (1972). Este era a pedra angular do esforço de controle de armas até que Bush resolveu relançar o projeto de construção de um sistema de defesa antimísseis e anunciou, em dezembro último, que os EUA o abandonariam.
Segundo o novo acordo, até 2012, os EUA e a Rússia deverão ter entre 1.700 e 2.200 ogivas estratégicas (de longo alcance). Hoje Washington dispõe de 6.000, e Moscou possui 5.500, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA. Mesmo assim, do ponto de vista geoestratégico, essa redução prevista é insignificante.
"O anúncio é ilusório, visto que só engloba as armas estratégicas imediatamente disponíveis. Com isso, em 2012, os EUA ainda terão entre 6.000 e 8.000 armas nucleares adicionais -armamentos estratégicos que precisam de tempo para serem operacionais, armas não-estratégicas (de menor alcance) ou peças estocadas. Já a Rússia manterá seu enorme arsenal não-estratégico", explicou Bruno Tertrais, da Fundação para a Pesquisa Estratégica (Paris).
Além disso, algumas centenas de ogivas utilizadas de modo concomitante já seriam suficientes para deteriorar a atmosfera terrestre a ponto de tornar o planeta virtualmente inabitável. E, como o acordo não prevê a destruição de todas as armas desmontadas, elas poderão ser remontadas se houver "necessidade geopolítica".
"Desde 11 de setembro último, Bush exige flexibilidade para enfrentar "novas ameaças". Assim, não quer destruir armamentos que, para ele, poderão ser cruciais no futuro", apontou Ole Holsti, da Universidade Duke (EUA). Parece, portanto, que os americanos conseguiram o que queriam em troca de sua anuência a um tratado formal -uma exigência russa.
Moscou deve ter obtido compensações, como participar de alguns processos de tomada de decisão da Otan, para aceitar o acordo. De qualquer modo, a medida é urgente para a Rússia, que, em razão de dificuldades orçamentárias, não pode mais pagar a manutenção de seu arsenal. (MSM)


Texto Anterior: Geopolítica: Desprestigiada, Otan vive crise de identidade
Próximo Texto: Para analista, guerra ao terror atenua unilateralismo americano
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.