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Copa abre caminho para reaproximação Japão-Coréia
Apesar dos ressentimentos decorrentes da ocupação japonesa da península, Tóquio e Seul aproveitam o Mundial de futebol para fazer avanço diplomático
CHIAKI KAREN TADA
ENVIADA ESPECIAL AO JAPÃO
Em 11 dias, com o mundo com
os olhos voltados para eles, Japão
e Coréia do Sul, vizinhos próximos mas separados por um mar
de ressentimentos, darão início à
Copa do Mundo esforçando-se
para fazer dos jogos uma forma
de melhorar suas relações.
A distância que existe entre as
duas nações - e que diminui ou
aumenta conforme a maré dos
acontecimentos- vem de longa
data, quando o Japão colonizou a
península coreana (1910-1945).
Obrigou a população a adotar nomes japoneses e as mulheres, a
trabalhar em bordéis para os soldados japoneses, fatores pelos
quais os coreanos exigem que o
Japão se desculpe, enquanto os japoneses se ressentem da fixação
da Coréia do Sul pelo passado.
Com a definição de que os dois
países abrigariam a Copa, em
1996, criou-se expectativa sobre
como conduziriam a organização
do evento. Desde então, algumas
medidas vêm sendo adotadas, incluindo a assinatura, em abril, de
um acordo inédito de extradição
visando a segurança nos jogos, a
definição deste ano como sendo o
do intercâmbio cultural entre as
duas nações, e a troca de visitas
dos líderes políticos (o primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi, e o presidente da Coréia do
Sul, Kim Dae-jung) nos jogos.
Na semana passada, o gabinete
japonês aprovou a ida do príncipe
Takamado, primo do imperador
Akihito, à abertura da Copa em
Seul.
Mas ainda é verdade que qualquer incidente pode trazer de volta o velho ressentimento, como a
visita surpresa que Koizumi realizou em abril ao santuário Yasukuni, onde são cultuados os mortos em combates, incluindo 14 criminosos de guerra condenados. A
polêmica irritou sul-coreanos e
chineses, mas não deve impedir o
sucesso da Copa, disse o ministro
das Relações Exteriores sul-coreano, Choi Sung-hong.
A controvertida história dos
dois países se estende ao ensino.
Há livros no Japão, por exemplo,
que definem os coreanos submetidos a trabalho forçado como
tendo sido "recrutados".
Também em abril, foram aprovados novos livros para estudantes de ensino médio, que, segundo
o Ministério das Relações Exteriores da Coréia do Sul, não descrevem a história corretamente.
Grupos de civis de ambos os lados pediram a retirada dos livros,
escritos pelo mesmo grupo que
elaborou textos didáticos acusados de amenizar a história em
2001. Na ocasião, o Japão disse
que não havia "erros claros" nos
textos e que eles não representavam uma visão oficial. Cerca de 20
coreanos cortaram o dedo mindinho em Seul, em protesto.
Intercâmbio intenso
Embora o passado ainda seja
obstáculo, o intercâmbio entre as
populações tem sido intenso culturalmente e economicamente.
"Oficialmente e politicamente, [o
nível de relacionamento" está baixo. Mas, por meio de outros canais, estão sendo realizados intercâmbios intensamente, deixando
a política de lado", diz Taeho
Bark, diretor da Escola de Estudos
Internacionais da Universidade
Nacional de Seul.
Em 2001, uma pesquisa do gabinete do governo japonês apontou
que 50,3% dos japoneses sentem
algum tipo de proximidade com a
Coréia do Sul. Em 96, o índice era
de 35,8%, em parte devido a incidentes envolvendo a disputa pelas
ilhas Takeshima/Tok-do localizadas entre os dois países.
Em 2000, o índice atingiu o ponto mais alto, 51,4%. Houve, portanto, uma ligeira queda em 2001,
atribuída por Susumu Kohari,
professor assistente de relações
internacionais na Universidade
de Shizuoka no Japão e autor de
livros sobre o país vizinho, à questão dos livros. "Mas isso não chega a ser uma queda, o que prova
que o intercâmbio entre os indivíduos está firme", avalia.
Curiosamente, a Coréia do Sul
está na moda no Japão, e a mídia
chama esse fenômeno de "boom
da Coréia". Música, comida e até a
forma como as sul-coreanas cuidam da pele têm agradado aos jovens.
Já a Coréia do Sul tem promovido a liberação gradual de produtos culturais japoneses, como filmes e shows musicais que atraem
as gerações jovens.
Para Kohari, o ressentimento
continuará presente também enquanto houver desequilíbrio econômico e diferenças na educação.
Segundo ele, são poucos os jovens japoneses que sabem sobre o
período da anexação. "Porque
não sabem muito do passado, nutrem um interesse sincero pela
Coréia do Sul", explica. Já na vizinha, a educação é bastante orientada pelo nacionalismo, diz.
Os políticos japoneses também
não ajudam, pois há os que dizem
que a colonização da Coréia não
foi algo ruim. Além disso, o premiê Koizumi, na avaliação de Kohari, não tem habilidade em lidar
com política externa na Ásia.
Com uma crise econômica que
dura anos, o Japão estaria enfraquecido como liderança política
na Ásia. "É um país que sempre
apostou suas fichas diplomáticas
na economia", explica Alexandre
Uehara, pesquisador do Núcleo
de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri) da USP.
No futuro próximo, poderá perder esse posto para a China, que
claramente almeja tal posição.
E, se o Japão e a China são os
"dois grandes jogadores" desse
cenário, diz Bark, o papel da Coréia do Sul será, por sua situação
geográfica e histórica, o de intermediador. "Deveríamos nos
preocupar com o futuro mais que
com o passado. Mas isso não quer
dizer que o passado será mudado." Para resolver o impasse, diz,
o Japão deve pedir desculpas claramente ou algum líder sul-coreano deve dizer que o passado deve
ser superado. "Afinal, estamos vivendo no século 21. Ainda haverá
quem fale nisso, mas aí é uma
questão de liberdade."
Chiaki Karen Tada voou a convite do
Escritório Econômico e Cultural de Taipé
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