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"Farc deveriam propor paz a Uribe"
Para o jornalista Carlos Lozano, oferta desmontaria argumentos militaristas do presidente colombiano
Esquerdista diz que grupo "está longe de destruído" e que a única solução para o conflito colombiano é por meio de negociação política
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
Jornalista de esquerda, diretor do semanário "Voz" e ex-mediador dos conflitos entre as
Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo da Colômbia, Carlos Lozano, 60, defende que a guerrilha apresente publicamente
uma proposta de paz, como forma de se confrontar à opção
militarista do governo do presidente Álvaro Uribe.
Em entrevista à Folha, o
membro do Birô Político do
Comitê Central do Partido Comunista Colombiano e da Junta Nacional do Pólo Democrático Alternativo (PDA), frente
de esquerda do país, usa dois
adjetivos para definir como deveria ser essa proposta de paz:
"clara" e "realista".
Para ele, a proposição guerrilheira seria o modo "de questionar a atual política justamente quando o governo colombiano quer fortalecer a
guerra, a confrontação".
No Brasil para participar de
um encontro mundial de comunistas, Lozano falou à Folha na noite de quarta passada,
por cerca de 90 minutos, na
ABI (Associação Brasileira de
Imprensa), no Rio. Leia os
principais trechos da conversa.
FOLHA - Com o sucesso do governo
Uribe nas investidas recentes contra
as Farc, a guerrilha está perto do
fim?
CARLOS LOZANO - Na Colômbia,
hoje, não há solução para o conflito que não seja a solução negociada. As Farc deveriam neste momento fazer uma proposta clara e realista de paz, que é a
maneira de questionar a atual
política justamente quando o
governo colombiano quer fortalecer a guerra, a confrontação. Cabe a todos nós trabalharmos pela paz, convencermos o governo, convencermos
a guerrilha. A guerrilha é a mais
afetada pela guerra. A guerrilha
tem que fazer uma proposição
muito realista, para uma paz
digna, que permita à Colômbia
fortalecer a democracia, fortalecer a justiça social, que são as
causas do conflito.
FOLHA - A decisão de Uribe de privilegiar a força tem tido êxito. A
guerrilha está enfraquecida?
LOZANO - Uribe vem há seis
anos tentando a derrota militar
da guerrilha. Deu golpes muito
fortes na guerrilha, como a
morte de Raúl Reyes em território equatoriano e de outros
chefes guerrilheiros importantes, além do resgate dos 15 reféns. Mas não significaram a
derrota da guerrilha, que continua por todo o país, estabilizada na vida nacional, com presença territorial. O que demonstra que na Colômbia não
há solução militar possível. A
única saída é política, e isso vale
para o governo. É um conflito
de natureza política, econômica e social, assim deve ser tratado. Não é um conflito estritamente militar.
FOLHA - As Farc vão conseguir
substituir os líderes recentemente
mortos?
LOZANO - São golpes morais na
guerrilha, mas ela tem demonstrado capacidade para rechaçá-los de imediato. Seu secretariado está funcionando completo.
[Manuel] Marulanda morreu
[em março passado] e imediatamente nomearam Alfonso
Cano. Creio que mesmo sendo
afetada pela persistente ação
do Exército, a guerrilha está
longe de ser destruída, como
dizem os militares há 50 anos.
FOLHA - Qual sua participação nas
negociações entre o governo e as
Farc?
LOZANO - Comecei a participar
das negociações de paz quando
do diálogo da guerrilha e do governo do presidente Andrés
Pastrana, entre 1998 e 2002.
Fui designado por acordo do
governo com as Farc como
membro da comissão de notáveis, pluralista, heterogênea
politicamente. Tinha a finalidade de produzir informes para
a mesa de diálogo para que a
guerrilha e o governo buscassem a solução política do conflito, uma perspectiva certa de
paz na Colômbia. Depois da
ruptura do processo de paz e a
vitória de Álvaro Uribe trabalhei em comissão criada para
promover a troca das pessoas
que estavam nos cárceres colombianos, guerrilheiros, por
reféns em poder das Farc.
FOLHA - Até quando o sr. participou dessa comissão extra-oficial?
LOZANO - Esse grupo não foi
designado por ninguém, nem
pelo governo nem pela guerrilha. Participaram algumas personalidades da vida nacional e
parentes dos reféns, sobretudo
Yolanda Pulecio, mãe de Ingrid
Betancourt, e Marlene Oruela,
presidente da Associação de
Familiares de membros da Força Pública em poder das Farc.
Trabalhamos na maioria das
vezes sem o respaldo de Uribe.
Por uma razão: Uribe tem mais
interesse em uma saída de força, em operações militares de
resgate e na derrota militar da
guerrilha.
FOLHA - Por que o governo colombiano o acusa de colaboração com
as Farc?
LOZANO - Cada vez que falava
nas contradições do governo de
Uribe ele publicamente respondia que eu era porta-voz
das Farc. Morto Reyes, seu famoso computador se converteu em uma espécie de caixa de
Pandora. Surgem acusações
contra todo mundo, até contra
mim. Tenho uma investigação
preliminar pela Procuradoria
Geral da nação. A Procuradoria
diz que eu tinha que ser um mediador, mas que me converti
em conselheiro político das
Farc, pois falava com eles de
política e criticava Uribe. É absurdo pensar que numa mediação com a guerrilha não se falará de política. Essa é a investigação contra mim.
FOLHA - A versão oficial do governo para o resgate de Ingrid e outros
14 reféns, no dia 2 de julho, é real?
LOZANO - Não creio no governo, a versão é muito cinematográfica. Creio que o grupo que
tinha a vigilância dos seqüestrados foi convencido por dinheiro. Independentemente se
foi uma ou outra coisa, se a versão correta é do governo ou das
Farc, o resultado é o mesmo: o
governo realizou uma operação
audaz, inteligente, que logrou
soltar os reféns mais importantes da guerrilha. Mas a versão
do governo é mentirosa, é como
se fosse um filme.
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