São Paulo, sábado, 21 de junho de 2008

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Ofensiva contra milícia aterroriza civis no Quênia

Violência em Monte Elgon expulsou cem mil de suas casas; eleição agravou crise

Relação estratégica com Nairóbi impede que ONU reconheça zona como parte dos conflitos pós-eleitorais e envie auxílio, afirma ONG

CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO

As Forças Armadas do Quênia torturam civis na ofensiva contra milicianos no distrito fronteiriço de Monte Elgon, afirmam organizações de defesa de direitos humanos quenianas e internacionais. Iniciada em março, a operação acuou a Força de Defesa da Terra Sabout (FDTS), milícia que dominava a região havia mais de um ano e apoiou partidários locais do Movimento Democrático Laranja no pleito presidencial.
O conflito em Monte Elgon já forçou até 100 mil pessoas a deixarem suas casas, estima Ben Rawlence, que compilou o relatório da HRW (Human Rights Watch) sobre abusos da FDTS e do Exército. Os flagelados recebem pouca ou nenhuma assistência internacional.
"O caso da ONU é um dos mais emblemáticos", disse Rawlence à Folha. "A ONU auxilia as vítimas dos conflitos pós-eleitorais [que levaram o país à beira da guerra civil no início deste ano e foram contornados por um acordo de divisão de poder]. Mas, por causa das relações com o governo queniano, ela não descreve Monte Elgon como parte do fenômeno e por isso não manda assistência para lá." Uma das sedes internacionais da ONU, o Quênia é base de grande parte das operações humanitárias no continente africano.
Relatório da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) lançado na terça-feira aponta abusos sistemáticos aos direitos humanos e documenta o aumento dos casos de torturas com a presença do Exército. Intitulado "Monte Elgon: quem se importa?", o documento cobra mais auxílio para a região.
A brasileira Cristiane Tsuboi, 28, se importa. Há quatro meses no Quênia, a médica, que já trabalhou no Hospital das Clínicas de São Paulo (referência em trauma) e atendeu comunidades ribeirinhas na Amazônia, conta que não pode comparar a realidade de Monte Elgon a qualquer coisa que tenha visto no Brasil. "Aqui, ao problema crônico de acesso aos serviços médicos soma-se a violência, que isola as pessoas em vilarejos e as impede de buscar ajuda mesmo em casos muito graves", disse à Folha, por telefone, a médica do MSF.

Governo nega excessos
Os abusos em Monte Elgon foram denunciados pela comissão independente encarregada pela lei queniana de promover os direitos humanos. Para o procurador-geral Amos Wako, porém, as informações do relatório são "intangíveis".
À HRW o chefe de polícia de Monte Elgon, Birik Mohammed, disse que a ofensiva ocorreu "como previsto" e que não recebeu queixas de abusos -segundo a HRW, no momento da conversa, havia diante do escritório de Mohammed uma fila de pessoas que diziam estar ali para relatar casos de tortura.
Numa contra-ofensiva midiática, a TV queniana exibe imagens de moradores que descrevem abusos da FDTS. Segundo relatos das mesmas organizações que apontam abusos do Exército, os senhores da guerra da FDTS arregimentavam jovens pobres para a mílicia e aterrorizavam a população, impondo impostos e confiscando terras de opositores.
"É uma situação parecida com a observada em outros locais de conflito, da Colômbia à Tchetchênia. A FDTS não conta com apoio popular, mas, quando o Exército intervém e começa a abusar dos direitos humanos, a simpatia da população pelas milícias locais cresce", comenta Thomas Cargil, gerente operacional na África do instituto de pesquisas internacionais Chatham House.


Com agências internacionais


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