São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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VIZINHO EM CRISE

Após sobreviver a pico da crise, governo ainda luta contra desestabilização promovida por ex-general

Paraguai tenta se livrar de sombra de Oviedo

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

Passado mais um período crítico na crise ininterrupta vivida pelo governo paraguaio, o presidente Luiz González Macchi luta para tentar se livrar da sombra do ex-general Lino Oviedo e concluir seu mandato, em agosto de 2003.
González Macchi, que segundo as pesquisas é rechaçado por 8 em cada 10 paraguaios, saiu ligeiramente fortalecido dos episódios das últimas semanas, quando protestos supostamente organizados por Oviedo deixaram dois mortos e dezenas de feridos e o obrigaram a decretar um estado de exceção, que durou dois dias.
Os analistas são unânimes em afirmar, porém, que a instabilidade vivida por González Macchi desde que assumiu o cargo, em março de 1999, continuará sendo uma constante no período que lhe resta. E pode ameaçar também o próximo governo.
"Se o governo não conseguir mudar os rumos da economia, não acabar com a corrupção nos altos escalões e não combater a violência, o oviedismo seguirá sempre como uma força latente a pairar como uma ameaça de desestabilização para qualquer governo, esteja Oviedo onde estiver", afirma o analista político Carlos Martini, professor da Universidade Católica de Assunção.
O Produto Interno Bruto (PIB) do país caiu mais de 20% nos últimos cinco anos e o desemprego ronda a casa dos 19%. A população pobre chegaria, segundo estimativas, a 50% nas áreas urbanas e a até 85% nas áreas rurais.
O governo também é alvo de denúncias de corrupção. No ano passado, a imprensa local descobriu que González Macchi usava um carro BMW que havia sido roubado em 1998 no Brasil. Ele já foi alvo de dez pedidos da oposição para a abertura de processos de impeachment por corrupção.
A esses problemas adiciona-se a falta de legitimidade política de González Macchi, que não foi eleito pelo voto direto. Ele assumiu o cargo na condição de presidente do Congresso, após o assassinato do vice-presidente Luis María Argaña e a renúncia do então presidente, Raúl Cubas Grau. Cubas e Oviedo são acusados de cumplicidade no assassinato de Argaña.
O presidente González Macchi assistiu ainda à eleição direta, em 2000, de um opositor, Julio César Franco, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), ao cargo de vice-presidente, com o apoio dos oviedistas. A eleição de Franco abalou a hegemonia do Partido Colorado, de González Macchi, que governa o Paraguai ininterruptamente há 55 anos.
O atual quadro permite prever um caminho difícil do Paraguai rumo à eleição presidencial, prevista para maio. Uma vez mais, Oviedo será a grande sombra.
O ex-general, que aparece em algumas pesquisas como o preferido dos paraguaios para ocupar a Presidência, não pode ser candidato. Condenado a dez anos de prisão pela tentativa de golpe, em 1996, contra o então presidente, Juan Carlos Wasmosy, ele permanece exilado no Brasil e não tem perspectivas de conseguir uma anistia para poder retornar ao Paraguai e lançar sua candidatura.
Para os analistas, a aposta de Oviedo continuará sendo a derrubada de González, para que Franco assuma e o anistie. Caso não consiga, deve lançar a candidatura de um testa-de-ferro, pela Unace (União Nacional dos Cidadãos Éticos, dissidência formada pelos oviedistas no Partido Colorado), que o anistie mais tarde.
"Caso Oviedo não consiga ser candidato, lançará um nome para vencer a eleição. Ele já provou que é um grande eleitor, quando apoiou a candidatura de Franco à Vice-Presidência", disse à Folha o principal líder oviedista no Paraguai, Carlos Galeano Perrone.
Os principais líderes colorados admitem que Oviedo será sempre uma sombra para o atual governo -e, eventualmente, para os próximos-, mas apostam numa ação do governo brasileiro para limitar as atividades políticas do ex-general e as suas articulações para desestabilizar o governo.
Para o senador Armínio Cáceres, primeiro vice-presidente do partido, não existe nenhuma possibilidade de que Oviedo possa voltar livremente ao país e se candidatar à Presidência. "Ele está condenado, deve vir para cá para cumprir sua pena", afirma.
Para Cáceres, o oviedismo não conseguirá eleger o próximo presidente. "Pelas nossas pesquisas, Nicanor Duarte Frutos [presidente do Partido Colorado" tem 46% das intenções de voto, e um candidato oviedista teria 22%", diz.
Para os analistas, a principal perspectiva é a de uma aliança entre a Unace e o PLRA para tentar quebrar a hegemonia do Partido Colorado na eleição.
"A hipótese de os colorados elegerem o próximo presidente é pequena", diz o oviedista Galeano. "Mas, se acontecer, o próximo presidente não vai ter maioria parlamentar, porque a Unace vai ter uma participação importante no próximo Congresso", afirma.

Outsider
A ameaça de Oviedo sobre os governantes paraguaios poderia ser afastada, na visão dos analistas, se houvesse uma melhoria nas condições econômicas.
"As pesquisas indicam que a liderança de Oviedo, mais que um apoio irrestrito a ele, é um voto contra o governo", afirma o analista José Nicolás Morinigo, colunista do jornal "Última Hora".
Para o professor Carlos Martini, a popularidade de Oviedo é explicada pelas mesmas razões "que explicam o êxito de outsideres em outros países latino-americanos que sofriam graves problemas econômicos". "São esperanças em soluções rápidas e milagrosas após governos fracassados", diz.



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