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"Monstro" pode virar "mártir" no julgamento
DA REPORTAGEM LOCAL
Dois especialistas consultados
pela Folha divergem sobre os efeitos do julgamento de Saddam
Hussein no mundo árabe.
O ex-ditador no banco dos réus
daria um exemplo de normalidade institucional e reforçaria a
idéia de democracia, diz Laurence
Rothenberg, do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos,
baseado em Washington.
O grande risco de um julgamento público de Saddam está na possibilidade de ele se transformar
em "mártir" de causas de imensa
receptividade entre os árabes do
Oriente Médio, como o nacionalismo muçulmano, o anti-sionismo e o antiamericanismo, diz
Mustafá Hamarneh, diretor do
Centro de Estudos Estratégicos da
Universidade da Jordânia.
Os EUA esperam que o julgamento, ao expor as atrocidades
cometidas pelo ex-ditador, ajude
a justificar tanto a invasão quanto
a ocupação do Iraque.
Rothenberg diz que o julgamento exemplificaria como a Justiça e
o respeito pelos direitos humanos
podem ser estabelecidos no
Oriente Médio. Seria ainda uma
advertência a outros ditadores.
Por fim, o julgamento permitiria que os iraquianos colocassem
um fim em décadas de autoritarismo e transformassem o país
numa sociedade livre.
Esse otimismo não é compartilhado por Hamarneh. Com a possível martirização de Saddam, diz
ele, sairiam perdendo "setores do
mundo árabe que trabalham na
direção da democracia e de sociedades modernas e pluralistas".
Tais segmentos não teriam como
reagir ao fortalecimento de valores de setores arcaicos.
Ou seja, o efeito didático do julgamento, aparentemente desejado por George W. Bush, pode
produzir resultados opostos.
Hamarneh argumenta que as
coisas já começaram mal nesta semana. Embora a opinião pública
árabe não tenha nada de homogênea, ela se perguntou por que
Saddam foi "covarde".
Mesmo assim, no entanto, Saddam surgiu na TV como um prisioneiro humilhado. Despertou
compaixão, solidariedade. "Algumas das manifestações dentro e
fora do Iraque eram muito mais
anti-EUA do que pró-Saddam",
diz o cientista político jordaniano.
Assim, mesmo em posição de
força no Iraque, os americanos
podem ter sofrido uma perda política, porque juntaram contra si
forças tão díspares quanto a coalizão de nacionalistas, os islâmicos
e até alguns comunistas.
O julgamento, se for aberto e
público, será uma guerra de propaganda, diz Hamarneh, da qual
Saddam pode sair vencedor. Ele
poderá, por exemplo, investir
contra a família real saudita, sem
que ela possa censurar a mídia
-as TVs via satélite terão todo o
interesse de mostrar ao máximo
um caso que mobilizará as atenções de Marrocos a Cingapura.
Em resumo, os EUA têm sido
inábeis, diz Hamarneh. Não conseguiram em oito meses de ocupação demonstrar aos iraquianos
a superioridade da democracia. E
poderão ter o êxito representado
pela captura transformado em
derrota política.
(JBN)
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