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Informação é dada por representante brasileiro na capital, que narra a situação atual na cidade
Sequestro e tráfico de drogas começam a chegar a Bagdá
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Único representante do Brasil
em Bagdá, o libanês naturalizado
brasileiro Awni Al-Dayri, 58, há
27 anos no Iraque, está assustado
com a situação na capital do país.
"Temos agora sequestros e traficantes de drogas em Bagdá", disse
ele à Folha por telefone.
Encarregado de zelar pelos arquivos da representação brasileira no Iraque, fechada desde a
Guerra do Golfo, em 1991, e subordinado ao embaixador na Jordânia, Al-Dayri elogia a atitude
adotada pelo governo Lula no
pós-guerra, mas reclama a presença de empresas nacionais na
milionária reconstrução do país.
Folha - Desde o fim da guerra, em
abril, e com a captura de Saddam
Hussein, a situação aí em Bagdá
melhorou ou piorou?
Awni Al-Dayri - O que posso dizer? Meu filho foi sequestrado há
poucos dias e um amigo foi assaltado por um traficante de drogas.
Você acredita? Temos agora sequestros e traficantes de drogas
em Bagdá. Até a tomada do país
pelos norte-americanos, isso não
existia. Além disso, há cada vez
mais assaltos e acidentes de carro.
Meu filho mais velho, de 24
anos, que está no quarto ano de
medicina na Universidade de
Bagdá, foi sequestrado, tomaram
o carro dele pelas armas. Depois,
foi trancado num quarto, ameaçado e agredido. E ele não foi o
único. Conhecidos nossos relataram casos semelhantes.
Há poucos dias, um amigo viu
um traficante de drogas pegar
uma faca e tentar matá-lo, porque
ele precisava de dinheiro.
Folha - Que tipos de drogas começam a aparecer? As mesmas do Ocidente, como maconha e cocaína?
Al-Dayri - Não, nada disso, é ópio
e heroína. Também aquelas outras pílulas, como chamam?
Folha - Ecstasy? Ácido?
Al-Dayri - Ácido. Há muitos drogados nas ruas e vendedores de
drogas cometendo crimes.
Folha - E como a população tem
reagido a essas mudanças?
Al-Dayri - A população ficou descansada com a prisão de Saddam
Hussein, com mais sossego, mas
ainda há muito o que fazer. Falta
eletricidade, falta segurança, falta
gasolina. Estamos caminhando
sobre a segunda maior reserva natural de petróleo do mundo e temos de ficar oito, 12, 24 horas na
fila do posto para abastecer nossos carros. São cenas contraditórias às quais o comando americano deveria estar mais atento.
Eles estão cometendo o erro estratégico de conduzir o país a uma
guerra social, civil. O desemprego
atinge 85% da mão-de-obra iraquiana. Os aposentados, os ex-militares e os funcionários públicos não recebem seus salários há
meses, o custo de vida disparou.
Folha - Apesar disso, ou talvez
por isso mesmo, grandes empresas
começam a chegar ao país, não? O
sr. já foi procurado por empresários brasileiros em Bagdá?
Al-Dayri - Não, até agora não.
Como único representante brasileiro no país, devo dizer que o governo tomou a decisão certa de ficar neutro no pós-guerra, mas
não sei se essa neutralidade servirá aos interesses comerciais do
Brasil nos próximos meses.
Todos os países estão aqui assinando contratos para a reconstrução do Iraque, e o Brasil já teve
aqui um campo vasto, temos de
trabalhar para preservar pelo menos uma parte do espaço que tivemos nos anos 80, quando o país
era um dos nossos principais parceiros comerciais. Há uma exceção, que é a Odebrecht, que no
momento discute projetos em
Miami, mas não é o suficiente.
Folha - Até onde o sr. sabe, há
mudança de intenção no Itamaraty
quanto à reabertura da Embaixada
do Brasil em Bagdá?
Al-Dayri - A embaixada deve seguir desativada. Estamos esperando a volta da segurança e a formação de um governo legítimo,
eleito, para que possamos rediscutir com esse eventual novo governo as relações entre os países.
Nossa situação é muito sensível,
delicada, não podemos cometer
erros estratégicos, para que possamos recuperar futuramente
uma parte da influência que já tivemos aqui.
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