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São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2003

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Informação é dada por representante brasileiro na capital, que narra a situação atual na cidade

Sequestro e tráfico de drogas começam a chegar a Bagdá

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Único representante do Brasil em Bagdá, o libanês naturalizado brasileiro Awni Al-Dayri, 58, há 27 anos no Iraque, está assustado com a situação na capital do país. "Temos agora sequestros e traficantes de drogas em Bagdá", disse ele à Folha por telefone.
Encarregado de zelar pelos arquivos da representação brasileira no Iraque, fechada desde a Guerra do Golfo, em 1991, e subordinado ao embaixador na Jordânia, Al-Dayri elogia a atitude adotada pelo governo Lula no pós-guerra, mas reclama a presença de empresas nacionais na milionária reconstrução do país.

 

Folha - Desde o fim da guerra, em abril, e com a captura de Saddam Hussein, a situação aí em Bagdá melhorou ou piorou?
Awni Al-Dayri -
O que posso dizer? Meu filho foi sequestrado há poucos dias e um amigo foi assaltado por um traficante de drogas. Você acredita? Temos agora sequestros e traficantes de drogas em Bagdá. Até a tomada do país pelos norte-americanos, isso não existia. Além disso, há cada vez mais assaltos e acidentes de carro.
Meu filho mais velho, de 24 anos, que está no quarto ano de medicina na Universidade de Bagdá, foi sequestrado, tomaram o carro dele pelas armas. Depois, foi trancado num quarto, ameaçado e agredido. E ele não foi o único. Conhecidos nossos relataram casos semelhantes.
Há poucos dias, um amigo viu um traficante de drogas pegar uma faca e tentar matá-lo, porque ele precisava de dinheiro.

Folha - Que tipos de drogas começam a aparecer? As mesmas do Ocidente, como maconha e cocaína?
Al-Dayri -
Não, nada disso, é ópio e heroína. Também aquelas outras pílulas, como chamam?

Folha - Ecstasy? Ácido?
Al-Dayri -
Ácido. Há muitos drogados nas ruas e vendedores de drogas cometendo crimes.

Folha - E como a população tem reagido a essas mudanças?
Al-Dayri -
A população ficou descansada com a prisão de Saddam Hussein, com mais sossego, mas ainda há muito o que fazer. Falta eletricidade, falta segurança, falta gasolina. Estamos caminhando sobre a segunda maior reserva natural de petróleo do mundo e temos de ficar oito, 12, 24 horas na fila do posto para abastecer nossos carros. São cenas contraditórias às quais o comando americano deveria estar mais atento.
Eles estão cometendo o erro estratégico de conduzir o país a uma guerra social, civil. O desemprego atinge 85% da mão-de-obra iraquiana. Os aposentados, os ex-militares e os funcionários públicos não recebem seus salários há meses, o custo de vida disparou.

Folha - Apesar disso, ou talvez por isso mesmo, grandes empresas começam a chegar ao país, não? O sr. já foi procurado por empresários brasileiros em Bagdá?
Al-Dayri -
Não, até agora não. Como único representante brasileiro no país, devo dizer que o governo tomou a decisão certa de ficar neutro no pós-guerra, mas não sei se essa neutralidade servirá aos interesses comerciais do Brasil nos próximos meses.
Todos os países estão aqui assinando contratos para a reconstrução do Iraque, e o Brasil já teve aqui um campo vasto, temos de trabalhar para preservar pelo menos uma parte do espaço que tivemos nos anos 80, quando o país era um dos nossos principais parceiros comerciais. Há uma exceção, que é a Odebrecht, que no momento discute projetos em Miami, mas não é o suficiente.

Folha - Até onde o sr. sabe, há mudança de intenção no Itamaraty quanto à reabertura da Embaixada do Brasil em Bagdá?
Al-Dayri -
A embaixada deve seguir desativada. Estamos esperando a volta da segurança e a formação de um governo legítimo, eleito, para que possamos rediscutir com esse eventual novo governo as relações entre os países.
Nossa situação é muito sensível, delicada, não podemos cometer erros estratégicos, para que possamos recuperar futuramente uma parte da influência que já tivemos aqui.



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