UOL


São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ROTA DOS BEBÊS

China e Rússia desbancam Sudeste Asiático e América Latina como as maiores fontes de crianças para adoção

Dobra o número de adoções internacionais

LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO

Nunca tantas crianças foram adotadas por pais de outros países como hoje. Com as mulheres adiando cada vez mais a gravidez e diante da maior aceitação legal e social de casais homossexuais, a alta demanda era de se esperar. Mesmo assim, o crescimento da adoção internacional surpreende: em 13 anos, o número dobrou, passando de 19.344 em 1988 para 34.068 em 2001, segundo dados do Unicef (fundo da ONU para a infância) que contabilizam somente os processo legais.
Da mesma forma que a procura por bebês estrangeiros aumentou, as rotas de adoção mudaram. Se há 15 anos o sudeste da Ásia e a América Latina eram as principais origens, hoje o posto é ocupado pela China e pela Rússia.
Os dois países, que não permitiam a adoção internacional de suas crianças até o começo dos anos 90, viram o número de crianças abandonadas se multiplicar diante do colapso das economias socialistas.
Os EUA e os países da União Européia, por sua vez, seguem sendo os maiores receptores.
Segundo Ethan Kapstein, professor de desenvolvimento sustentável do Insead (escola de administração francesa) e pesquisador dos Instituto Francês de Relações Internacionais, que estuda a questão, o fator econômico segue sendo o que mais pesa na adoção internacional -sobretudo nos processos ilegais.
"Ele explica boa parte dos padrões de oferta e procura. Para os pais em países pobres, o dinheiro que eles recebem por uma criança representa uma boa renda. Em países como a Guatemala ou a China, receber US$ 50 por um filho é muito dinheiro", disse Kapstein em entrevista por telefone à Folha de sua casa, em Paris.
Dados sobre a adoção internacional são imprecisos e muitas vezes nem sequer é possível compilá-los. Mas Kapstein estima que a maior parte das crianças adotadas hoje seja de meninas, especialmente bebês.
"Isso [a maior oferta de meninas] ocorre sobretudo na China, onde os pais têm subsídio para ter apenas um filho. Quando têm uma menina, a maioria das famílias prefere dá-la para adoção e tentar ter um menino", afirma. "Em muitos países as pessoas acham que meninas, produtivamente, são piores para a família."

Adoções ilegais
A maioria dos pais que opta por adotar um filho em outro país o faz por acreditar que o trâmite seja mais simples e rápido do que em seu próprio país. Mas, muitas vezes, a história acaba com surpresas desagradáveis.
Desde 1993, as adoções internacionais são regidas pela Convenção de Haia sobre a Proteção das Crianças e a Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, um documento assinado por 54 países que estabelece uma série de princípios para o processo -a maioria deles visando assegurar que as crianças encaminhadas para a adoção internacional tenham sido doadas voluntariamente.
Uma das principais determinações da convenção é que cada país signatário estabeleça uma autoridade central para supervisionar os processos e assegurar a origem das crianças. No entanto a estrutura ainda carece de fundos.
Não há estatísticas sobre o tema, mas especialistas brasileiros e estrangeiros acreditam que a maioria das adoções internacionais ocorra por via legal. "Mesmo assim, a adoção ilegal ainda é um problema grande o suficiente para fazer da adoção internacional um desafio. Os pais que optam por isso têm de ser extremamente cuidadosos", diz Kapstein.
Nesta semana, a Justiça americana caçou a licença de uma agência de adoção que trabalhava com crianças da Guatemala após descobrir irregularidades que iam de falsificação de documentos a roubo de bebês. Os pais, na maioria dos casos, não ficam sabendo que adotaram uma criança roubada.
"A maioria dos pais, especialmente no caso da adoção internacional, recorre a agências. É difícil para eles saber ao certo o que a agência faz, quais são seus contatos locais. Aliás, às vezes nem a própria agência sabe direito a origem do bebê", diz o especialista. "É complicado rastrear todo o processo. A maioria dos pais acredita estar adotando legalmente."
Em última instância, cabe às autoridades de imigração do país receptor assegurar a legitimidade do processo. É aí que muitos pais acabam se deparando com uma surpresa desagradável e sendo impedidos de levar para casa o filho que escolheram.
No que diz respeito a preferências, aliás, ainda ganham os recém-nascidos, com características semelhantes às da família. Mas, nos últimos anos -talvez por causa do grande números de meninas chinesas abandonadas-, houve um aumento da procura por crianças asiáticas.
Crianças negras têm maior dificuldade de colocação na adoção doméstica -mas a real demanda internacional é desconhecida, já que, na maioria dos países africanos, a adoção, segundo Kapstein, não é praticada por questões culturais. E independentemente de idade ou cor de pele, para os próximos anos Kapstein acredita que a maior questão nesse campo seja a dos órfãos da Aids.
"A adoção está ficando cada vez mais complexa e difícil com a Aids. Ainda temos de aprender a lidar com essas crianças. Haverá muito mais órfãos."



Texto Anterior: Sequestro e tráfico de drogas começam a chegar a Bagdá
Próximo Texto: Brasil sai da rota internacional com aumento das adoções domésticas
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.