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ROTA DOS BEBÊS
China e Rússia desbancam Sudeste Asiático e América Latina como as maiores fontes de crianças para adoção
Dobra o número de adoções internacionais
LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO
Nunca tantas crianças foram
adotadas por pais de outros países
como hoje. Com as mulheres
adiando cada vez mais a gravidez
e diante da maior aceitação legal e
social de casais homossexuais, a
alta demanda era de se esperar.
Mesmo assim, o crescimento da
adoção internacional surpreende:
em 13 anos, o número dobrou,
passando de 19.344 em 1988 para
34.068 em 2001, segundo dados
do Unicef (fundo da ONU para a
infância) que contabilizam somente os processo legais.
Da mesma forma que a procura
por bebês estrangeiros aumentou,
as rotas de adoção mudaram. Se
há 15 anos o sudeste da Ásia e a
América Latina eram as principais origens, hoje o posto é ocupado pela China e pela Rússia.
Os dois países, que não permitiam a adoção internacional de
suas crianças até o começo dos
anos 90, viram o número de
crianças abandonadas se multiplicar diante do colapso das economias socialistas.
Os EUA e os países da União
Européia, por sua vez, seguem
sendo os maiores receptores.
Segundo Ethan Kapstein, professor de desenvolvimento sustentável do Insead (escola de administração francesa) e pesquisador dos Instituto Francês de Relações Internacionais, que estuda a
questão, o fator econômico segue
sendo o que mais pesa na adoção
internacional -sobretudo nos
processos ilegais.
"Ele explica boa parte dos padrões de oferta e procura. Para os
pais em países pobres, o dinheiro
que eles recebem por uma criança
representa uma boa renda. Em
países como a Guatemala ou a
China, receber US$ 50 por um filho é muito dinheiro", disse Kapstein em entrevista por telefone à
Folha de sua casa, em Paris.
Dados sobre a adoção internacional são imprecisos e muitas vezes nem sequer é possível compilá-los. Mas Kapstein estima que a
maior parte das crianças adotadas
hoje seja de meninas, especialmente bebês.
"Isso [a maior oferta de meninas] ocorre sobretudo na China,
onde os pais têm subsídio para ter
apenas um filho. Quando têm
uma menina, a maioria das famílias prefere dá-la para adoção e
tentar ter um menino", afirma.
"Em muitos países as pessoas
acham que meninas, produtivamente, são piores para a família."
Adoções ilegais
A maioria dos pais que opta por
adotar um filho em outro país o
faz por acreditar que o trâmite seja mais simples e rápido do que
em seu próprio país. Mas, muitas
vezes, a história acaba com surpresas desagradáveis.
Desde 1993, as adoções internacionais são regidas pela Convenção de Haia sobre a Proteção das
Crianças e a Cooperação em Matéria de Adoção Internacional,
um documento assinado por 54
países que estabelece uma série de
princípios para o processo -a
maioria deles visando assegurar
que as crianças encaminhadas para a adoção internacional tenham
sido doadas voluntariamente.
Uma das principais determinações da convenção é que cada país
signatário estabeleça uma autoridade central para supervisionar
os processos e assegurar a origem
das crianças. No entanto a estrutura ainda carece de fundos.
Não há estatísticas sobre o tema,
mas especialistas brasileiros e estrangeiros acreditam que a maioria das adoções internacionais
ocorra por via legal. "Mesmo assim, a adoção ilegal ainda é um
problema grande o suficiente para fazer da adoção internacional
um desafio. Os pais que optam
por isso têm de ser extremamente
cuidadosos", diz Kapstein.
Nesta semana, a Justiça americana caçou a licença de uma agência de adoção que trabalhava com
crianças da Guatemala após descobrir irregularidades que iam de
falsificação de documentos a roubo de bebês. Os pais, na maioria
dos casos, não ficam sabendo que
adotaram uma criança roubada.
"A maioria dos pais, especialmente no caso da adoção internacional, recorre a agências. É difícil
para eles saber ao certo o que a
agência faz, quais são seus contatos locais. Aliás, às vezes nem a
própria agência sabe direito a origem do bebê", diz o especialista.
"É complicado rastrear todo o
processo. A maioria dos pais acredita estar adotando legalmente."
Em última instância, cabe às autoridades de imigração do país receptor assegurar a legitimidade
do processo. É aí que muitos pais
acabam se deparando com uma
surpresa desagradável e sendo
impedidos de levar para casa o filho que escolheram.
No que diz respeito a preferências, aliás, ainda ganham os recém-nascidos, com características semelhantes às da família.
Mas, nos últimos anos -talvez
por causa do grande números de
meninas chinesas abandonadas-, houve um aumento da
procura por crianças asiáticas.
Crianças negras têm maior dificuldade de colocação na adoção
doméstica -mas a real demanda
internacional é desconhecida, já
que, na maioria dos países africanos, a adoção, segundo Kapstein,
não é praticada por questões culturais. E independentemente de
idade ou cor de pele, para os próximos anos Kapstein acredita que
a maior questão nesse campo seja
a dos órfãos da Aids.
"A adoção está ficando cada vez
mais complexa e difícil com a
Aids. Ainda temos de aprender a
lidar com essas crianças. Haverá
muito mais órfãos."
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