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ANÁLISE
A hora da verdade
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Trata-se da hora da verdade para a União Européia. É necessário
determinar se ela conseguirá funcionar com 25 países-membros
ou se ficará imobilizada. E o andar
das negociações, com a esfera
econômica influenciando a política, não permite grande otimismo.
A análise é de Christian Lequesne, especialista em UE, diretor do
Centro de Estudos e de Pesquisas
Internacionais (Paris) e co-autor
de, entre inúmeros outros livros e
artigos sobre o tema, "Les Institutions de l'Union Européenne" (as
instituições da UE) e de "Quelle
Union pour Quelle Europe?"
(qual união para qual Europa).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
Folha - Como o sr. vê o fracasso da
cúpula terminada no último final
de semana, em Bruxelas, e a ameaça dos principais financiadores do
bloco de fazer retaliações?
Christian Lequesne - De fato, a
cúpula não pôde atingir o seu
maior objetivo, que era chegar a
um consenso sobre a futura Constituição do bloco. Isso ocorreu
porque os países mais fortes da
UE, como a Alemanha e a França,
pleiteavam uma mudança do sistema de votação nas diferentes
instituições do bloco, o que lhes
daria mais peso no processo de
tomada de decisões. A Espanha e
a Polônia foram os principais Estados contrários à iniciativa.
Em seguida, uma carta assinada
por vários governos, incluindo o
francês e o alemão, mostrou a intenção dos maiores financiadores
do bloco. Na reforma financeira,
que deverá ocorrer em 2006 para
entrar em vigor em 2007, eles buscarão reduzir o teto de contribuições, que, até agora, é de 1,27% do
PIB [total de riquezas produzidas] dos países, para 1% do PIB.
Folha - Quais são os maiores riscos dessa situação?
Lequesne - Teremos um momento muito duro por conta disso, e as negociações tendem a ser
ainda mais acaloradas. É uma pena que percamos tempo com a
Constituição. Com isso, o risco de
misturar o debate político com o
econômico é muito grande.
Afinal, se tivéssemos lançado o
processo político em Bruxelas, firmando um texto constitucional,
teríamos iniciado o processo de
ratificação, e tudo poderia estar
terminado em 2005. Contudo, como isso não ocorreu, as negociações serão longas, e nada garante
que possamos chegar a um consenso durante a presidência irlandesa [1º de janeiro a 30 de junho
de 2004]. Talvez as negociações
tenham de continuar até a presidência seguinte -holandesa.
Isso dilui a dinâmica política
criada pela Convenção sobre o
Futuro da Europa, que preparou
o projeto de Constituição.
Folha - Entramos, portanto, num
momento em que pressões econômicas afetam a esfera política?
Lequesne - Sim, o que é uma pena. Os espanhóis sabem que não
obterão mais dinheiro do que já
recebem hoje. Já os poloneses são
mais sujeitos à pressão econômicas dos grandes financiadores.
A evolução da situação dependerá da força representada pelo
motor franco-alemão, que, neste
momento, sofre ataques dos Estados menores porque ambos os
países não conseguiram respeitar
o pacto de estabilidade neste ano
[os dois tiveram déficit público
superior a 3% de seu PIB].
Alemães e franceses sempre defendem o respeito às regras européias e querem dar exemplo aos
outros, porém, desta vez, violaram abertamente as regras e não
foram devidamente punidos por
conta de seu peso político.
Trata-se da hora da verdade. É
preciso decidir se a Europa conseguirá funcionar com 25 membros. Se houver um problema estrutural, talvez o bloco venha a ter
de adaptar-se à situação. Talvez
seja preciso desenvolver novos
mecanismos, como a cooperação
reforçada entre um grupo de Estados limitados, como a França, a
Alemanha, a Bélgica, a Holanda,
Luxemburgo e Portugal.
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