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ÁSIA
Ao preço do controle religioso, país busca legitimar ocupação por meio de crescimento anual de 12% e modernização social
China usa economia para se firmar no Tibete
CLÁUDIA TREVISAN
ENVIADA ESPECIAL AO TIBETE
Sob constante pressão do movimento pela independência liderado pelo dalai-lama, a China decidiu partir para o ataque e tentar
legitimar sua presença no Tibete
por meio do crescimento econômico e da modernização social.
O preço é a presença crescente
de chineses da etnia han (majoritária na China), o controle rigoroso da religião e a liderança política
absoluta do Partido Comunista,
que adota o ateísmo como um
dogma para seus integrantes.
Desde o fim dos anos 90, o governo elevou os investimentos na
região e exibe indicadores positivos: a mortalidade infantil e o
analfabetismo despencaram enquanto o PIB per capita e a expectativa de vida aumentaram.
A partir de 1999, a economia do
Tibete se expandiu ao ritmo de
12% ao ano, acima da média nacional (perto de 9%). A intenção
do governo é manter o passo nos
próximos anos. Estradas, ferrovias e fábricas estão sendo construídas em diferentes cidades, ao
mesmo tempo em que a entrada
de estrangeiros é facilitada.
"O objetivo do governo é melhorar a qualidade de vida dos tibetanos, fazer com que eles sejam
mais ricos e ganhem mais dinheiro", afirma Chen Xianshun, secretário de Proteção Ambiental do
Partido Comunista no Tibete, da
etnia han.
"Os tibetanos não pediram para
ser ocupados e não pediram essas
mudanças. Tudo isso é inútil se
você não é livre", contesta o ativista de direitos humanos norte-americano Wenchuk Meston, tocando em um dos pontos mais
delicados da presença da China
na região, que é o direito à autodeterminação.
O ateísmo oficial do Partido Comunista se choca frontalmente
com o misticismo do Tibete, onde
a religião é o elemento fundamental de todas as manifestações culturais.
Apesar do conflito, as demonstrações de fé se desenvolvem sem
problemas, desde que não tenham conotação política nem estejam ligadas a nenhum movimento considerado separatista
pelo governo.
O símbolo da atividade proibida
é o dalai-lama, o líder espiritual
que, depois de uma rebelião reprimida pelo Exército chinês, deixou
o Tibete em 1959 com centenas de
seguidores e instalou uma administração paralela na Índia.
Apesar de ser considerado a
reencarnação do Buda da Compaixão (Avalokitesvara) e o principal líder espiritual do Tibete,
suas fotos estão banidas de monastérios, lojas e lugares públicos
da região.
A imagem que aparece é a do
10º panchen-lama, que morreu
em 1989 e tinha melhores relações
com Pequim -o que não impediu que passasse anos na prisão
durante a Revolução Cultural
(1966-1976). O panchen é tido como a reencarnação do Buda da
Infinita Luz (Amitabha) e é o segundo principal líder espiritual
do Tibete.
A China sustenta que a região
faz parte de seu território desde o
século 13, o da dinastia mongol
Yuan. Segundo o governo, a vinculação do território com o restante do país foi reafirmada ao
longo da história, inclusive depois
da revolução republicana que
acabou com o império, em 1911.
O que os exilados classificam
como "invasão" do Tibete é chamado pelo governo como "libertação pacífica do Tibete". Qualquer que seja o nome, a incorporação do Tibete à China comunista ocorreu em 1951, quando o
Exército de Libertação Popular
entrou na capital, Lhasa.
Além de afastar a ameaça de
ocupação pelo Reino Unido, os
chineses dizem que a "libertação"
acabou com o regime feudal de
servidão, ao qual estava sujeita
cerca de 90% da população.
O governo de Pequim sustenta
que, até 1951, não havia nenhuma
escola laica no Tibete -a única
forma de educação disponível era
a religiosa, nos monastérios.
O analfabetismo era de 95%,
afirma o tibetano Duo Ji Cai
Wang, subdiretor do Departamento de Educação do Tibete.
Hoje, a região tem 1.100 instituições de ensino em todos os níveis
-incluindo quatro superiores-
e o analfabetismo caiu para 34%.
A educação religiosa é proibida
nas escolas, a menos que tenha
caráter "científico" e seja apresentada no contexto histórico ou político.
O hábito das famílias de enviar
pelo menos um filho para os monastérios budistas parece estar em
baixa. "A economia está se desenvolvendo e podemos ganhar dinheiro de outras maneiras", afirma Labatuenzhu, 64, patriarca de
uma família de 14 pessoas, cujos
pais eram servos até a década de
50, escolhido pelo governo chinês
para receber os jornalistas brasileiros convidados pelo governo.
Presidente da Campanha Internacional pelo Tibete, fundada em
1988, o norte-americano John Ackerly reconhece que a sociedade
local tinha uma grande dose de
arcaísmo até os anos 50, mas ressalta que é impossível afirmar como o Tibete estaria hoje se não tivesse ocorrido a invasão chinesa.
"A grande questão", afirma, "é
que os tibetanos gostariam de
confrontar os seus próprios problemas."
A jornalista Cláudia Trevisan viajou ao
Tibete a convite do governo chinês
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