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AMÉRICA LATINA
Descontentamento popular cria projetos heterodoxos, como programa de TV para escolher candidato a deputado
Crise argentina gera esquisitices políticas
JOÃO SANDRINI
DE BUENOS AIRES
A falta de respostas da classe política ao descontentamento popular transformou a Argentina em
um terreno fértil para o surgimento de soluções curiosas e, ao
mesmo tempo, estranhas para reformar as instituições antes da
eleição presidencial de março.
A onda de projetos heterodoxos
surgiu em meio ao caos institucional. De um lado está o Estado,
que há meses negocia sem sucesso acordos com FMI (Fundo Monetário Internacional), Congresso, pré-candidatos, banqueiros,
empresários e Justiça para a implementação de ajustes necessários ao país. Do outro, está uma
população descontente com a paralisia do Estado frente ao crescimento contínuo do desemprego,
da pobreza e da violência.
Até o momento, a iniciativa
mais peculiar foi criada pela TV
América, a terceira maior emissora do país. A rede estréia hoje o
programa "O Candidato do Povo", que dará como prêmio ao
vencedor o direito de se candidatar a deputado nas próximas eleições por um partido fundado pela
própria emissora. O vencedor será escolhido pelos telespectadores
entre os 16 pré-selecionados
-em um universo de mais de 600
inscritos- para apresentar suas
propostas políticas na TV.
Outra esquisitice partiu do ex-chefe de gabinete e senador governista Jorge Capitanich, que
propôs submeter todos os candidatos a cargos públicos a testes
psiquiátricos antes das eleições. O
projeto, em análise numa comissão do Senado, foi criticado porque não excluiria um candidato
considerado mentalmente insano
do processo eleitoral.
Capitanich disse à Folha que o
projeto torna as eleições mais
"transparentes". "Quando vamos
entrar em um avião, queremos saber se o piloto tem condições de
voar porque, em caso negativo,
nem entramos", afirmou.
Para a analista política Graciela
Romer, as duas iniciativas são
"barbaridades". "Trata-se de um
senador atrás de espaço na mídia
e de uma emissora que quer assumir o papel de um partido político. Diria que são atitudes mais perigosas do que engraçadas", disse.
Para ela, os argentinos "não são
bobos" e vão responder à falta de
iniciativas "sérias" do governo e
da classe política com um enorme
índice de abstenção e de votos
brancos e nulos na eleição.
O mais forte sinal de que poderá
haver um índice de abstenção recorde veio do próprio presidente
Eduardo Duhalde, que, no último
fim de semana, disse não saber se
terá vontade de votar na prévia
para a escolha do candidato de
seu próprio partido, o Justicialista
(peronista), em 15 de dezembro.
Além disso, pesquisa recente divulgada pela consultoria Graciela
Romer & Associados mostrou
que só 18% dos argentinos acreditam que possa haver mudanças
após a eleição de março e que 29%
dos eleitores não pretendem votar
em nenhum candidato.
Um último indício de que hoje
os argentinos não se sentem representados pela classe política
veio da Província de Santiago del
Estero. No último domingo, 43%
dos habitantes da Província não
compareceram às urnas para a
eleição do governador e dos deputados locais. Trata-se do maior
índice de abstenção desde o fim
do regime militar, em 1983.
Na eleição, o peronismo -movimento que hoje controla o governo federal, 14 das 24 Províncias
do país e metade do Congresso-
obteve 68% dos votos válidos.
Para Graciela Romer, essa vitória expressiva do peronismo mostra que a oposição não deve ser
capaz de absorver os votos dos
descontentes em março.
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