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"Aqui se levantaram as serpentes de todos os ninhos"
DO ENVIADO ESPECIAL A CARACAS
Pergunta - Supondo que esses
30% sejam uma aproximação à realidade, não mostram uma queda
significativa em relação aos votos
que o sr. obteve nas últimas eleições? O que ocorreu para o sr. ter
perdido essa parte de seu capital
político?
Chávez - Vocês sabem que o
exercício do poder desgasta e
mais ainda quando o povo, ao ligar a televisão, vê, desde o amanhecer até o anoitecer, uma campanha bestial contra uma pessoa.
Apesar disso, tomando como verdade essas pesquisas que me dão
30%, ainda estou na frente, depois
de quatro anos de governo.
Pergunta - Em abril, como estavam essas pesquisas?
Chávez - Um dia antes do golpe,
as pesquisas diziam que eu tinha
40% de popularidade. Depois eu
cheguei a 50%. Tenho uma percepção de que o apoio popular
tem crescido.
Pergunta - Por que a oposição, a
seu ver, tem essa pressa em adiantar as datas e afastá-lo do poder?
Chávez - O fundo da questão é
que aqui está em marcha um projeto transformador, que começamos a aplicar. Um projeto de revolução democrática, no âmbito
político, no econômico, no social.
Trata-se de mudar um modelo
econômico selvagem que converteu este país em um país rico habitado por um povo pobre e uma
minoria privilegiada.
Isso temos de mudar, não só na
Venezuela, mas em toda a América Latina. Não é viável o modelo
que está em marcha na América
Latina. Foi aplicado, durante um
século ou mais, um modelo excludente, selvagem, que nos levou a
um abismo: é o continente com
maior grau de desigualdade. E a
pobreza está crescendo.
É um projeto transformador
que começa a tocar os interesses
dos setores privilegiados historicamente: os grandes proprietários de terras, os grandes possuidores do capital especulativo e financeiro, empresários que viveram ao amparo da violação de leis
e não pagavam impostos.
Quando um projeto toca os interesses da oligarquia da mídia,
por exemplo, ela reage como serpente. E aqui se levantaram as serpentes de todos os ninhos.
Pergunta - Mas, em um dado momento, donos de meios de comunicação o apoiaram. O que pode tê-los levado a estar contra o sr.?
Chávez - Todos estiveram contra, não é certo que me apoiaram.
Ao final, quando não podiam
mais maquiar as pesquisas, começaram a aceitar a realidade e a tratar de rodear-me. Um deles chegou a escrever que "há exemplos
na história de que se pode amansar o bicho". Mas este bicho
[aponta para si mesmo" não se
deixa amansar.
Eles me estenderam um tapete
vermelho e pensaram que eu fosse engrossar a lista dos traidores
do povo. Então, depois de várias
tentativas de voltar a apoderar-se
do Estado, para continuar gozando de privilégios, se deram conta
de que comigo não poderiam
cumprir seu propósito. Houve
tentativas de adular o presidente,
enquanto, por baixo da mesa, faziam propostas indecorosas...
Pergunta - Por exemplo?
Chávez - Temos um organismo
que se chama Conatel (Conselho
Nacional de Telecomunicações).
Os donos das televisões se acostumaram a ter sempre um homem
deles lá. Para quê? Para não pagar
impostos. Para violar descaradamente as leis, para desrespeitar os
horários infantis. Agora, não. Se
violam o horário infantil, há processo e multa. Eles têm de pagar
os impostos, que são bilhões de
bolívares, porque ganham muito.
Pergunta - O sr. tentou abrir a caixa-preta que há na PDVSA?
Chávez - Fizemos várias tentativas. Conseguimos algumas pequenas mudanças. Mas essa tecnoburocracia que se foi consolidando desenvolveu uma grande
capacidade de manobra, de ocultação de cifras e da realidade.
Não obstante, no ano passado
removi a direção e nomeei uma
diretoria nova, composta por verdadeiros patriotas, que começaram a descobrir coisas, a remover
gerentes, a revisar contas no exterior. Então, começaram a falar de
uma greve petrolífera e ativaram a
greve em abril, junto com o golpe.
Parte dessa tecnocracia petrolífera tem conexões no estrangeiro
e mantém a idéia de privatizar a
PDVSA, a galinha dos ovos de ouro. Estava pronto o plano para
privatizar. Esse é o tema de fundo.
Pergunta - Há indicações de interesse de firmas espanholas e norte-americanas na privatização. O sr.
acha que esse fato possa influir nas
posições desses países sobre o sr.?
Chávez - Seria leviandade dizer
algo. Não tenho prova de que esses governos estejam impulsionando todas essas medidas contra
a Venezuela. Apesar de não poder
dizer algo tão sério, temos muitas
provas de que esses problemas
têm conexões internacionais.
Pergunta - Está claro para o sr. o
papel dos EUA em abril?
Chávez - Às vezes é difícil para
nós, na América Latina, decifrarmos totalmente o jogo e os atores
que se movem em Washington. O
menos que posso dizer é que os
EUA erraram de maneira aberta e
grave durante os fatos de abril.
No dia do golpe, havia dois militares da embaixada dos EUA conversando com os militares golpistas. Depois, explicaram que estavam ali para buscar informação.
Depois, fizeram declarações
louvando na prática o governo de
facto e desconhecendo a legitimidade de meu governo. Claro que,
48 horas depois, trataram de recompor tudo e emitiram alguns
comunicados, mas não ficou nada
claro o papel dos EUA.
Pergunta - Na economia, há recessão, o desemprego é cada vez
mais elevado e, pelo menos pelo
que dizem os estudos da Universidade Católica Andrés Bello, a pobreza é hoje maior do que há três
anos. Alguma coisa não saiu bem
na área socioeconômica, não?
Chávez - Vou citar dados não de
centros suspeitos, mas do PNUD
(Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento) e seus
informes dos últimos dois anos.
A mortalidade infantil estava
em 21 por mil. Hoje, está em torno
de 17 por mil. O índice de baixo
peso ao nascer estava em 9% em
1998 e, em 2001, fechou em 6%.
A mortalidade materno-infantil
reduziu-se em mais de 15%. A
desnutrição infantil, em mais de
11%. E a matrícula escolar subiu
mais de 35%, são mais de 1,6 milhão, em uma população de 23
milhões. Mais de 2 milhões de
pessoas que não tinham água potável há três anos hoje a têm.
Criamos o Banco do Povo, que
deu milhares de microcréditos
aos pobres que nunca tiveram
crédito. Créditos a juros baixos,
até sem juros.
Está funcionando há um ano
em todo o país o Banco das Mulheres, para dar crédito às mulheres pobres, a um ritmo de dois microcréditos a cada meia hora.
Para quê? Para fazer tortas, para
vender comida, para fazer roupa,
para uma maquininha para fazer
bolsas. Aos camponeses, entregamos milhares de títulos de propriedade, mas não só a terra. O
que faz um camponês com dez
hectares de terra, se não tem um
centavo para produzir?
É totalmente falso que a pobreza
tenha aumentado, que o desemprego tenha aumentado. Você
acredita que, depois de três anos,
quase quatro, se esse povo pobre,
que é lamentavelmente a grande
maioria dos venezuelanos, não tivesse sentido algum alívio na sua
penúria, sairia a dar suas vidas,
como saíram, só para trazer-me
de volta ao Palácio de Miraflores,
após o golpe? Que explicação lógica você pode dar a isso? Um amor
cego? Amor com fome não dura.
Pergunta - O que sr. espera do governo Lula?
Chávez - Minha expectativa, e
não creio que me decepcionarei, é
que o governo de Lula se insira
numa nova onda na América Latina. Creio que os povos da América Latina estejam procurando a
si próprios e, nesse procurar, estão surgindo novos líderes. Lula
surge como presidente com a
bandeira de acelerar o processo
de transformação, não só no Brasil. O mesmo podemos dizer do
triunfo de Lucio Gutiérrez no
Equador. São expressões de um
fenômeno que vai se estender. Logo veremos o que vai acontecer na
Argentina e depois no Uruguai.
Pergunta - O sr. tem em mente alguma ação imediata para resolver
essa paralisação da PDVSA?
Chávez - Estamos tomando medidas. Apesar de a oposição, que
dominava a empresa quase em
100%, ter desestabilizado a companhia, não conseguiram paralisá-la. Provocaram grandes prejuízos, mas estamos em pé. Todos os
dias recuperamos espaço.
Pergunta - E o abastecimento de
gasolina?
Chávez - Apesar de terem feito
sabotagem inclusive com os caminhões-tanque, estamos conseguindo abastecer o país com as reservas. Claro que estamos dando
prioridades a alguns setores que
estão relacionados com o funcionamento da economia do país e
com os serviços públicos. Ativamos mecanismos de emergência
para importar combustíveis.
Pergunta - É verdade que os salários de alguns executivos que estão
em greve chegam a US$ 30 mil?
Chávez - Não sei se é tanto assim.
Mas os salários de gerentes que
estão em greve, e que começaram
a ser demitidos, são astronômicos. Cerca de 15 milhões de bolívares [US$ 12 mil" por mês.
Pergunta - Quanto ganha o presidente da Venezuela?
Chávez - Oitocentos mil bolívares (US$ 640) e é suficiente. Além
disso, parte vai como ajuda para
crianças pobres.
Pergunta - O sr. teme ser morto?
Chávez - Aqui tem gente da oposição tão enlouquecida que chegaram a dizer publicamente que a
solução seria matar o presidente.
Descobrimos vários planos nesse
sentido. Um deles, recentemente,
quando regressava da Europa
previa o disparo de um foguete no
avião presidencial. Mas descobrimos a tempo e decidimos pousar
em outro local. Quando fiquei
preso no dia do golpe, deram a ordem para a minha execução.
Pergunta - Por que não obedeceram?
Chávez - Naquele dia, consegui
falar, por celular, com minha mulher e minha filha e lhes disse que
me matariam. Uma falou com a
CNN, porque os meios de comunicação aqui se negaram a veicular. Minha filha ligou para Fidel
Castro. De Havana saiu para o
mundo e para a Venezuela o risco
que eu corria. Isso gerou movimentos populares que permitiram garantir a minha vida. Aí os
militares que me custodiavam se
negaram a obedecer a ordem. Hoje me cuido mais do que antes.
Mas não tenho temor.
Pergunta - Até quando a Venezuela aguentará a crise?
Chávez - Essa oposição desesperada está jogando as suas cartas.
Assim fizeram em abril com os
militares, mas fracassaram. Sete
meses depois estão jogando outra
carta, a PDVSA. Mas vamos derrotá-los. Espero que essa oposição
reflita e retome o caminho democrático. Há setores que querem
conversar.
(CLÓVIS ROSSI)
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