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EUROPA À DIREITA
Para a francesa Catherine Wihtol de Wenden, limitar a entrada de estrangeiros é atitude "irresponsável"
"Imigração é modernização", diz analista
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
A questão da imigração esteve
no centro dos debates da cúpula
da União Européia (UE) em Sevilha, que reuniu entre sexta-feira e
ontem os líderes dos 15 países-membros do bloco. Para a cientista política francesa Catherine
Wihtol de Wenden, o objetivo dos
líderes foi responder à expansão
da extrema direita na Europa e reduzir a defasagem entre as decisões nacionais e as formulações
conjuntas no âmbito da UE.
"A impressão que se tem é que
os países não acreditam no sistema que fabricaram, daí essa defasagem, essa resistência, entre a soberania nacional e a concretização da Europa", diz.
De Wenden é diretora de pesquisas no Centro de Estudos e
Pesquisas Internacionais, especialista em migrações internacionais. Na sua opinião, a imigração
exige hoje leis mais flexíveis, e o
controle das fronteiras, sobre o
qual têm insistido os governos, é
apenas um pequeno aspecto do
problema.
"A imigração é uma fonte de divisas, de modernização das mentalidades e de desenvolvimento
político e democrático", diz ela,
na entrevista a seguir.
Folha - Por que a imigração voltou a ser um problema central para
os políticos europeus?
Catherine Wihtol De Wenden -
Por causa da expansão da extrema direita no continente e porque
os partidos populistas destacaram o tema em seus programas.
Isso causou defasagem entre as
várias sanções nacionais à questão e um sistema solidário entre
os países cujo objetivo deveria ser
a europeização das decisões.
Folha - A decisão de abordar o tema agora de uma maneira mais severa não seria demagógica, apenas
um modo de responder às pressas
ao sucesso da extrema direita?
De Wenden - Os países estão engajados na questão há mais de 20
anos. Então, o que ocorre agora é
que se está reforçando um dispositivo a fim de torná-lo mais unificado. Mas, efetivamente, estamos
num contexto mundializado, e o
controle das fronteiras territoriais
não é senão uma pequena parte
do problema.
Folha - Como regular o problema
da imigração hoje?
De Wenden - Seria preciso uma
grande vontade política, uma certa crença dos diferentes países na
eficácia de um sistema mais europeizado. A impressão que se tem é
que os países não acreditam no
sistema que fabricaram, daí essa
defasagem, essa resistência, entre
a soberania nacional e a concretização da Europa. Seria preciso
harmonizar as políticas de imigração -o visto, a permanência,
a definição de asilo, nos termos
das Convenções de Genebra. No
momento, o que se têm é um mosaico de situações.
Folha - Seria preciso mudar o status legal do imigrante?
De Wenden - Claro. Temos um
sistema de visto que é muito rígido, que corresponde a um modelo de imigração de 15, 20 anos
atrás. Seria preciso aceitar uma
fórmula intermediária, que permitisse idas e vindas, as formas
diversas de mobilidade, o acesso
dos estudantes ao trabalho -toda uma série de medidas que dotaria de mais flexibilidade um sistema extremamente rígido.
Folha - A França parece ser mais
liberal sobre o problema, não?
De Wenden - Em parte. Aqui, por
razões eleitorais talvez, não se
abordaram questões importantes
como a da mão-de-obra, que permitiria lutar mais eficazmente
contra o emprego clandestino e o
tráfico de trabalhadores.
Folha - Qual a importância do trabalho de imigrantes?
De Wenden - Na França, há 1,6
milhão de estrangeiros ativos. Há
setores em que raramente os franceses se candidatam para ocupar
os cargos -todos aqueles que são
considerados trabalhos duros e
mal remunerados. Esses setores
funcionam bastante com o trabalho do estrangeiro e também de
clandestinos, em parte.
Folha - A regulação da imigração
não implica também a do trabalho
na Europa?
De Wenden - Claro. Nós não temos um sistema europeu do trabalho.
Folha - O que a sra. pensa a respeito da hipótese de os países europeus pressionarem economicamente os países de onde provêm os
imigrantes?
De Wenden - Penso que essa posição é muito perigosa. Ela pode
levar a restrições em termos de
mercado e de zona de influência
para a Europa e deixar a porta
aberta dos países para outras regiões do mundo, como os EUA e o
Canadá. É uma atitude irresponsável. Além disso, não estou certa
de que os países de onde vêm os
imigrantes tenham meios de controlar as fronteiras, porque muita
gente emigra individualmente. Os
Estados não podem controlar a
decisão individual das pessoas. A
imigração é uma fonte de divisas,
de modernização das mentalidades e de desenvolvimento político
e democrático.
Folha - Por que há europeus que
temem tanto a imigração?
De Wenden - Porque têm medo
de que seus países se desfaçam no
processo da mundialização. Têm
medo do outro, da diferença. O
medo é também devido à mudança nas identidades.
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