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PODER ECONÔMICO
Chefia republicana ou democrata não altera política comercial do país, que sempre funciona como
alavanca para empresas dos EUA
Império quer negócio, com Bush ou Kerry
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
DIZ A SABEDORIA CONVENCIONAL que, em matéria
de política comercial, os democratas são protecionistas e os
republicanos, bem mais liberais. É mais imagem que fato.
Fato: "Os presidentes democratas Jimmy Carter e Bill
Clinton foram mais liberais que os republicanos Ronald
Reagan e George W. Bush", lembra Kimberly Elliot, do Instituto para a Economia Internacional e do Centro para o Desenvolvimento Global, ambos de Washington.
Na verdade, a política comercial
americana sempre funcionou como alavanca para abrir possibilidades de negócios para empresas
dos Estados Unidos -um cenário que não muda, seja o presidente um democrata ou um republicano, haja ou não atentados
terroristas ao redor do mundo.
Foi talvez a idéia de que "o negócio da América são os negócios" que ajudou a transformar os
EUA na única superpotência remanescente. Por isso, tomar uma
eventual vitória de John Kerry como um triunfo dos protecionistas
na área comercial pode ser acreditar mais na lenda do que nos fatos.
O democrata Clinton negociou
o Nafta (o acordo de livre comércio com Canadá e México), embora o México fosse o país que "mais
incertezas criava em relação às
conseqüências sobre o trabalho e
o meio ambiente nos EUA, com o
qual compartilha fronteira de
3.600 km", diz Elsie Echeverri-Carroll, diretora de Desenvolvimento Econômico do Escritório
de Pesquisas em Negócios da Universidade do Texas em Austin.
As incertezas citadas por Echeverri-Carroll tocam diretamente
em pontos que podem trazer alterações na política comercial americana, caso Kerry vença.
Havia inquietação pela perda de
emprego nos EUA como decorrência do grande número de "maquiladoras" mexicanas, empresas
fronteiriças que, na verdade, se limitam a apertar um parafuso e
reexportar produtos para os EUA.
Empregam cerca de um milhão
de pessoas, em geral de baixa qualificação, o que "causa preocupação em trabalhadores americanos, com a possibilidade de mudança de companhias para o México", lembra a pesquisadora.
Mais: "O fato de que muitas maquiladoras estão localizadas ao
longo da fronteira gera inquietação com a possibilidade de que o
ar e as águas compartilhadas pelos dois países se tornem crescentemente contaminados".
Não obstante, o democrata
Clinton assinou o acordo que
criou o Nafta, ao passo que o republicano Bush, supostamente
mais liberal, "provavelmente terminará seu mandato com apenas
um acordo de livre comércio assinado com a América Latina (com
o Chile, bem menor com seus 15
milhões de habitantes do que o
México e seus 100 milhões)", afirma Echeverri-Carroll.
Agora Kerry retoma a discussão
sobre vincular acordos comerciais a direitos trabalhistas, numa
ponta, e à proteção ao ambiente,
na outra. No mínimo, haverá "nova linguagem sobre direitos trabalhistas", diz Gary Hufbauer, especialista em comércio do Instituto para a Economia Internacional.
Lance Compa, pesquisador da
Escola de Relações Trabalhistas e
Industriais da Universidade Cornell, de Nova York, diz: "Creio
que Kerry, se eleito, retornará à
política de Clinton, basicamente
em favor do livre comércio, mas
com mais atenção à dimensão social. Se Bush for reeleito, veremos
apenas uma agressiva política de
livre comércio sem preocupação
alguma com inquietações sociais".
Lori Wallach, do Observatório
Comercial Global, divisão da
ONG Public Citizen, uma das
mais dinâmicas ativistas do movimento contra a globalização, tem
opinião parecida à de Compa.
Ela lembra que Kerry se comprometeu a reexaminar, nos seus
primeiros 120 dias na Casa Branca, a política comercial americana, e avisa: "A plataforma democrata aponta problemas na proteção ao investidor contida em
acordos do tipo Nafta e as ameaças que a liberalização dos serviços coloca para o acesso do consumidor a preços compatíveis.
Está portanto claro que Kerry terá
que fazer as coisas de forma diferente, mas o quê, em que grau e de
que natureza só se tornará mais
visível depois da eleição".
Problemas com o Brasil
De todo modo, já está claro que
há um potencial de problemas
nas negociações com o Brasil, tanto com Bush como com Kerry.
A diferença: os problemas com
Bush são os já conhecidos, que
emperraram a negociação da Alca
(Área de Livre Comércio das
Américas). Lembra Lori Wallach:
"A administração Bush continuará com sua agenda em temas
complicados da Alca como respeito a patentes versus acesso a
remédios, os termos do acordo
sobre investimento e a desregulação do setor de serviços".
Nesses capítulos, o Brasil se
opõe frontalmente. Quer que a
Alca seja apenas uma negociação
sobre comércio propriamente dito, ou seja, derrubada das tarifas
de importação. Não quer discutir
normas e regulamentos.
Também o confronto entre patentes e remédios se dará na Organização Mundial de Propriedade
Intelectual, em que proposta conjunta de Brasil, Argentina e Bolívia foi tratada como "mistificação" pelo subchefe do comércio
externo americano, Peter Allgeier, em recente visita ao Brasil.
Com Kerry, se Lori Wallach estiver certa e os democratas tiverem de fato segundos pensamentos sobre as benesses do livre comércio, esse atrito poderia diminuir. Mas aumentaria em outro
lado: o Brasil considera que vincular comércio e direitos trabalhistas ou ambientais é manobra
protecionista dos países ricos.
Lance Compa, especialista nessa área, acha porém que "Lula e
Kerry deveriam encontrar meios
de trabalhar juntos nesses temas".
Sua tese, à qual o Itamaraty tem
sido refratário, é a de que "o Brasil
deveria liderar os países em desenvolvimento para insistir em
uma dimensão social para o comércio, em vez de cair no argumento dos economistas neoclássicos de que o vínculo comércio/
trabalho é protecionismo".
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