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ÁSIA
Prisão de jornalistas que noticiaram a morte de um estudante pela polícia reacende debate sobre a repressão da mídia
Chineses contestam censura à imprensa
CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM
A prisão de três jornalistas chineses que noticiaram o assassinato de um estudante pela polícia
trouxe novos interlocutores a um
antigo debate. Pela primeira vez,
quem vem a público falar em censura e liberdade de expressão são
chineses residentes no país, e não
estrangeiros ou exilados.
A discussão sobre a prática de
censura na China ressurgiu na
imprensa internacional na última
semana, quando o diário "The
New York Times" noticiou que
jornais chineses haviam suprimido trechos de um discurso do vice-presidente norte-americano,
Dick Cheney, que aludiam à liberdade individual e a temas delicados para Pequim, como Taiwan e
Hong Kong.
Mas o caso que chama mais
atenção é a prisão, no mês passado, de três editores do "Diário
Metropolitano do Sul", jornal da
Província de Cantão (sul) que se
tornou célebre por assumir uma
postura independente em relação
ao governo e publicar casos que
renderam repercussão nacional,
principalmente sobre o abuso de
poder pela polícia.
Oficialmente, Yu Huafeng, Li
Mingying e Cheng Yizhong foram
detidos sob acusação de desviar
verbas do jornal. Yu e Li foram
condenados a 12 anos de prisão, e
Cheng, o editor-chefe, aguarda o
julgamento.
Entretanto seus defensores
apontam como verdadeira razão
da prisão dos jornalistas a publicação de uma reportagem sobre o
assassinato, por um grupo que incluía policiais, do estudante Sun
Zhigang, um migrante de 27 anos
detido por não ter permissão para
residir na capital de Cantão. Sun
foi preso em 17 de março de 2003
e morreu dois dias depois, numa
dependência da polícia, vítima de
espancamento.
O governo contesta a acusação e
afirma que as prisões foram realizadas porque os três desobedeceram à lei e praticaram corrupção.
Por sua vez, a mulher de Cheng,
Chen Junying, afirma que não
houve desvio, mas sim um problema contábil. Segundo ela, o
jornal não repassou à sua empresa controladora, o grupo Nan
Fan, a receita obtida com a venda
de anúncios.
"Eles estão usando esse ponto
para persegui-los", afirmou ela
em entrevista ao jornalista Arnold
Zeitlin, que até dezembro passado
coordenava uma ONG de defesa
da liberdade de imprensa em
Hong Kong.
O fato é que o caso está sendo
considerado um marco na questão da liberdade de imprensa da
China, terreno no qual o país já
avançou, mas não o suficiente para garantir aos jornalistas a certeza de que não serão punidos se
atravessarem a confusa linha divisória entre o que é e o que não é
permitido pelo Estado.
O ineditismo também está nos
defensores dos direitos humanos
que a questão atraiu. Quem pede
a libertação dos jornalistas e afirma abertamente que se trata de
uma violação da liberdade de expressão são chineses que vivem
no país, e não vozes externas, como costuma ocorrer nesses casos.
A principal dessas vozes é a do
advogado dos jornalistas, Xu Zhiyong, que criou uma ONG para,
entre outras coisas, propor mudanças em textos legais considerados atentatórios aos direitos
humanos.
Ambigüidade
No processo de abertura e transformação que o país vive desde o
início dos anos 80, a imprensa
ocupa uma posição dúbia.
Quase todas as publicações são
controladas pelo Partido Comunista ou pelo Estado, que ainda
mantém restrições sobre certos
temas contrários ao ideário do
partido. Ao mesmo tempo, o governo determinou que os jornais e
as revistas têm de se modernizar,
ser competitivos e viver à custa de
sua própria receita, sem os subsídios do Estado ou do partido.
Foi o que o "Diário Metropolitano do Sul" fez. De propriedade do
Partido Comunista do Cantão, o
jornal adotou uma linha investigativa, cobrindo casos de repercussão nacional. O resultado foi o
aumento das vendas e a transformação da publicação em uma das
mais populares do país.
Agora, com a prisão dos três ex-editores, os jornalistas do "Diário
Metropolitano do Sul" estão
acuados. Além disso, há a expectativa de que o caso, se não for revisto, represente um retrocesso
para a imprensa, com a sinalização de que os limites de sua atuação continuam estreitos.
O governo chinês afirma que a
Constituição garante a liberdade
de expressão e que a lei é respeitada. Mas, apesar de avanços inegáveis, a prática da censura é visível.
As TVs a cabo transmitem as
grandes redes de notícias internacionais, como CNN e BBC, mas a
programação é interrompida
quando há reportagens favoráveis
à independência de Taiwan ou sobre manifestações pró-democracia em Hong Kong, dois temas
sensíveis para o governo chinês.
Além disso, a TV a cabo não é
disponível nos edifícios habitados
apenas por chineses. O serviço só
existe nos prédios destinados
principalmente a estrangeiros.
O acesso à internet é bastante
amplo, mas o governo bloqueia
determinados sites -sobretudo
ocidentais-considerados contrários aos seus interesses.
Recentemente, o bloqueio ficou
mais sofisticado e passou a ocorrer em relação a certos temas dentro dos sites. Um dos alvos foi o site da Voz da América, rádio financiada pelo governo norte-americano.
Há ainda a censura a conteúdos
eróticos -não há nada semelhante à revista "Playboy" na China, e publicações pornográficas
são proibidas.
Entretanto, apesar da rigidez,
não há como o controle ser absoluto na internet. Uma busca pela
palavra "sex" no Yahoo, em chinês simplificado, resultou em 562
mil sites. Os poucos que a reportagem acessou foram abertos sem
dificuldade, e a maioria tinha conteúdo pornográfico explícito.
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