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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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Transição na Argentina

Dificuldades do presidente eleito incluem seu próprio partido, que disputou a eleição com 3 candidatos

Apoio no Congresso preocupa Kirchner

ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES

Néstor Kirchner assume hoje a Presidência da Argentina com um desafio nunca antes enfrentado por um presidente peronista: angariar apoio dentro do próprio partido, que saiu dividido da primeira eleição presidencial da história que contou com mais de um candidato do Partido Justicialista.
As principais dificuldades serão enfrentadas na Câmara dos Deputados. Kirchner poderá contar com os chamados "duhaldistas" -ligados ao presidente Eduardo Duhalde- , mas terá de conquistar o bloco conhecido como azul e branco, grupo de 30 deputados menemistas, além dos partidários de Adolfo Rodríguez Saá, que ficou em quarto lugar no primeiro turno das eleições.
"Não temos ânimo obstrucionista. Queremos colaborar para o êxito do governo, mas, para que haja uma unificação, primeiro precisamos ver como será a condução das coisas", disse o deputado Oscar González, presidente do bloco azul e branco.
As negociações com essa ala do peronismo já começaram. Eduardo Camaño, presidente da Câmara, trabalhou em favor de Kirchner durante a última semana na busca de um consenso. Kirchner ainda terá de enfrentar o bloco conhecido como "interprovincial", ligado a Províncias que não possuem vínculos políticos com o novo presidente.
"Os peronistas têm uma grande quantidade de deputados, e Kirchner terá de contar com sua própria bancada", afirmou Alberto Natale, presidente do bloco.
No Senado, a situação não é diferente, mas Kirchner conta com a ajuda extra da mulher, a senadora Cristina. "O peronismo está dividido, e podemos dizer que o presidente vai contar com um período de compreensão [no Senado], mas não de apoio, nos primeiros meses de governo", afirma o analista político Jorge Giacobi.

Outros partidos
Essa fragmentação dentro do peronismo levou Kirchner a buscar ajuda na oposição. Ele chegou a cogitar a oferta de cargos ao ARI (Argentina por uma República de Iguais), de Elisa Carrió, e à UCR (União Cívica Radical), adversária histórica do justicialismo.
A proposta foi rechaçada por ambos os partidos. Em comunicado, a UCR informou que faria oposição "séria e responsável sem ocupar cargos no governo".
O mesmo aconteceu com Carrió, que apoiaria Kirchner contra Carlos Menem (também peronista) no segundo turno. "Seguiremos mantendo distância do governo. Faremos uma oposição construtiva", disse.
As farpas trocadas entre Menem e Kirchner durante a campanha acentuaram mais as divisões dentro do PJ. Kirchner acusa Menem de ter renunciado para debilitar sua governabilidade. A renúncia às vésperas do segundo turno tirou de Kirchner a possibilidade de chegar ao poder com o respaldo de mais de 70% dos eleitores, o que agilizaria a formação de uma base mais ampla -e não apenas dentro do PJ.
"Kirchner assume com legitimidade, mas limitada. Poderia ser melhor. Ele não é um líder partidário, não tem um bloco legislativo próprio, e as condições de governabilidade serão definidas no exercício do seu mandato", afirma Ricardo Rouvier, da Rouvier & Associados.
Para Giacobbi, a divisão do peronismo não significa uma ruptura "eterna". "O PJ é muito sensível ao poder, e há uma necessidade de se manter no topo que supera as disputas entre lideranças. Por isso, há chances, e não são pequenas, de reversão nesse quadro."

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