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ENTREVISTA
Prêmio Nobel da Paz, o ex-presidente polonês diz que "uma decisão errada é melhor que decisão nenhuma"
Lech Walesa apóia Bush e critica a ONU
ROZANE MONTEIRO
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM GDANSK
Em 1983, ele ganhou o Prêmio
Nobel da Paz por liderar os trabalhadores poloneses numa luta pacífica contra a ditadura comunista. Hoje, o ex-presidente da Polônia (1990-95) e fundador do Partido Solidariedade, Lech Walesa,
apóia a guerra de Bush no Iraque,
convencido de que os EUA fizeram o que era certo.
Mesmo sem ter a aprovação
mundial, Walesa defende a ação
americana: "Às vezes, uma decisão errada é melhor que decisão
nenhuma". O recado é para a
ONU, que, segundo ele, é "inoperante", e também para França e
Alemanha, que se opuseram à solução militar.
Após ter tentado se reeleger presidente duas vezes -em 2000,
obteve menos de 1% dos votos-,
Walesa hoje admite se candidatar
de novo. Mas condiciona uma nova tentativa à hipótese de a Polônia querer se desligar da União
Européia. Se esse for o caso, ele sai
candidato, embora certo de que
não será eleito. "A democracia
não gosta de gente como eu. Gosta de gente cordial, que vive pedindo desculpas", afirma, para
tentar justificar suas derrotas.
Atualmente, o ex-presidente está à frente do Instituto Lech Walesa, criado por ele mesmo em 1995.
Realiza viagens ao exterior com o
intuito de promover a Polônia.
Fiel ao catolicismo, Walesa diz
que trabalha bastante para, após a
morte, não ir parar no inferno,
onde teme ser perseguido por Lênin e Stálin -fundadores da
União Soviética e seus dois primeiros líderes.
Nascido numa família de camponeses, em 1943, o eletricista
participou de sua primeira greve
em 1980. Carismático, Walesa tornou-se o líder do movimento e
criou o sindicato Solidariedade.
Chegou a passar 11 meses na prisão, mas continuou como símbolo popular. Nove anos após a primeira greve, tornou-se presidente
da Polônia: o primeiro líder não-comunista em mais de 40 anos.
Lech Walesa falou à Folha em
seu escritório, na cidade de
Gdansk, no norte da Polônia, onde começou sua luta pela democracia que hoje ele diz que não
combina com seu estilo.
Folha - Os EUA agiram certo ao fazer a Guerra do Iraque?
Lech Walesa - O que teria acontecido se os EUA, depois do 11 de
Setembro, não tivessem reagido
rapidamente e tivessem esperado
que a ONU fizesse alguma coisa?
Os próximos alvos poderiam ser
Londres, Paris. Acho que foi positivo que os EUA tenham conseguido desmantelar a rede de terror no mundo e que tenham conseguido assegurar a paz mundial.
Não havia opção melhor à guerra.
Folha - O sr. acha, então, que a
ONU não cumpriu seu papel?
Walesa - A ONU e a Otan têm estruturas velhas, que remontam a
um tempo que já se foi, quando
duas superpotências mediam forças. Agora temos uma superpotência sem aprovação mundial
para ir à guerra. Por outro lado, há
a ONU, que está autorizada a tomar decisões, a enviar tropas, mas
que é totalmente inoperante, burocrática, não funciona.
Folha - E a União Européia?
Walesa - Sim, parte da responsabilidade é da UE também. França
e Alemanha, por exemplo, deveriam ter reunido todos os países-membros e mesmo as nações que
estavam se candidatando à adesão e dito: "Nós somos uma organização séria e precisamos ter
uma posição unânime -apoiamos [a guerra] ou não". Eles seriam obrigados a levar isso em
conta. Portanto, a UE, especialmente França e Alemanha, falharam. Às vezes, decisão errada é
melhor que decisão nenhuma.
Folha - Qual a sua expectativa para a eleição presidencial nos EUA?
Walesa - Acho que vai dar Bush.
Ele não é popular entre os intelectuais ou na elite, mas o cidadão
comum o apóia. Ele fala o que as
pessoas querem ouvir. Mas, se eu
fosse americano, não saberia em
quem votar. Talvez votasse no
Bush pai. Eu gostava muito dele.
Foi bom fazer negócios com ele.
Folha - Qual a sua avaliação da
forma como o presidente russo,
Vladimir Putin, lida com o conflito
na Tchetchênia, após o ato terrorista que levou à morte mais de 300
pessoas numa escola de Beslan?
Walesa - Eu vejo dois Putins. O
primeiro é um homem forte, que
quer manter o controle e fazer o
maior número de mudanças possível. Esse Putin tem que ter o
nosso apoio. Mas há esse outro
Putin, para quem não importa
muito em quem ele está atirando.
Ele só quer força, poder. Esse Putin é perigoso. Pode fazer um estrago enorme. Qual dos dois Putins vai vencer? Ao mesmo tempo,
é preciso dizer que o mundo está
mudando, está se desenvolvendo.
Estamos vivendo uma nova época. Ele não tem escolha. Se quiser
desenvolver seu país, vai ter que
mudar seus métodos.
Folha - O sr. se candidataria a presidente novamente?
Walesa - Só se fosse para tratar
de assuntos de grande importância. Por exemplo, se a nova União
Européia não funcionar num primeiro momento, muitos países,
incluindo a Polônia, podem querer se desligar. Mas nós não podemos fazer isso. Eu não vou deixar.
E vou conseguir impedir. Mas
vou perder a eleição, claro. Eles
não vão me eleger. O que eu quero
é ter a chance de dizer ao povo da
Polônia o que deve ser feito.
Folha - Na última vez em que tentou se reeleger presidente, em
2000, o sr. obteve menos de 1% dos
votos. A que credita a derrota?
Walesa - Era um momento diferente de quando eu fui eleito pela
primeira vez. Em 2000, tivemos
vários problemas internos no partido. Eles não entenderam a minha mensagem. Não fui eu quem
perdeu a eleição. Todos nós perdemos. O problema é que a democracia não gosta de gente como eu. A democracia gosta de
gente cordial, que vive pedindo
desculpas. Não é meu estilo.
Folha - O que o motiva a dedicar a
sua vida a uma causa?
Walesa - Eu sempre fui uma pessoa de fé. E foi sempre a minha fé
que me permitiu levar minha vida
e fazer tudo o que fiz e ainda faço.
Segundo a minha fé [católica], o
inferno existe, e quanto maior o
mal que você faz aqui na terra,
tanto mais alta é a posição que você vai ocupar na hierarquia do inferno. Portanto, gente como [Vladimir Ilyich] Lênin, [Joseph] Stálin e [Leonid] Brejnev devem estar na cúpula. Se eu for parar no
inferno, eles, provavelmente, vão
querer se vingar de mim por tudo
o que eu fiz aqui na terra. Eu não
quero ir para o inferno. Por isso,
trabalho tanto.
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