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Lavagna aconselha sucessor a ignorar reclamações
MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES
Roberto Lavagna, ministro da
Economia da Argentina, tem um
pilha de pastas em sua mesa de
trabalho. Todas iguais: uma série
de folhas com gráficos e tabelas
com dados positivos a respeito da
economia do país.
"Mais que fazer discursos, temos de falar de dados", diz o ministro. Ele começa a lembrar o caos em que recebeu a economia
argentina e como a entregará para
o seu sucessor -se houver sucessor, já que um dos candidatos a
presidente, o peronista Néstor
Kirchner, anunciou que Lavagna
ficará na pasta se ele for eleito.
"Em abril, a economia caía pouco mais de 16%. Agora está crescendo 4,5%. A inflação era de 11%
e agora temos uma taxa de 0,5%.
Temos 12 meses consecutivos de
superávit primário. No ano passado, 100% dos depósitos bancários
estavam sujeitos a alguma restrição. Hoje, não há restrições", explica, sem titubear.
O ministro concedeu entrevista
à Folha na sexta-feira passada,
dois dias antes da eleição. Ele participou da campanha de Kirchner, mas avisou que não falaria de
política -mesmo porque estava
proibido de fazê-lo pela legislação
eleitoral argentina.
Lavagna continua com o que diz
considerar avanços importantes
da economia argentina: "Estávamos em uma situação econômica
quase de hiperinflação e numa
conjuntura política e social extrema. O governo deixa uma situação de ordenamento econômico e
calma social".
Mas e a herança negativa para o
próximo governo? A dívida pública subiu, o governo não renegociou a dívida externa e, enquanto
não o fizer, não haverá linhas de
crédito externo para a Argentina.
Lavagna volta a comparar a situação em que recebeu a economia e a situação em que a entrega
para o próximo governo, e completa: "As situações são muito diferentes. É muito diferente ser ministro de uma administração de
transição e de emergência do que
ser um ministro com um horizonte de quatro anos pela frente".
A herança? "O próximo governo vai receber a transição mais ordenada dos últimos anos. Em
1989, havia a hiperinflação. Em
1999, a economia apresentava
uma queda forte de produção e
desemprego recorde, em 2001
houve o colapso da conversibilidade e do modelo econômico. O
próximo governo não precisa
pensar em conter uma situação
crítica, mas partir de uma situação estável."
O ministro argentino admite
que há problemas para resolver.
"Mas, se alguém pensa que vai ser
ministro da Economia sem ter
problemas para resolver, é melhor nem assumir." O que ele não
admite são as afirmações de que
sua equipe econômica deixará
uma herança negativa para o próximo governo. "Se há algo que
não podem falar sobre esta equipe
é que ela deixa uma herança [negativa]. É só imaginar a situação
que recebemos no ano passado."
Os problemas, ele sabe quais
são. E os cita: o país tem de renegociar a dívida externa, reestruturar os bancos e restaurar as linhas
de crédito internas e externas, renegociar os contratos das empresas de serviços públicos.
Para cada problema, o ministro
tem um prognóstico. E impõe
uma condição para renegociar a
dívida: o país não pode deixar de
crescer para pagar a dívida. "Isso
é impossível. Foi o que ocorreu de
1995 em diante: endividávamo-nos com o país em um processo
cada vez mais profundo de recessão. Se não há crescimento, não
há capacidade de pagamento."
Diz que o restabelecimento das
linhas internacionais dependerá
do acordo com o FMI e da própria
renegociação da dívida. O crédito
interno, avalia, depende da estabilização da conjuntura macroeconômica e da diminuição da incerteza. "Hoje, um dos motivos
pelos quais os bancos não emprestam é a proximidade da eleição presidencial."
O próximo ministro da economia deverá também negociar
com as concessionárias de serviços públicos. Conselhos? "Antes
de mais nada, não se deixar impressionar pelas reclamações. No
ano passado, um empresário italiano chegou um dia e disse que
vinha entregar as chaves da empresa. Eu respondi que tudo bem,
que podíamos chamar o escrivão.
O escrivão nunca apareceu."
Autor de livros e estudos sobre
o Mercosul, Lavagna diz crer que
o momento atual é especialmente
propício para que o bloco fortaleça sua integração. "Teremos dois
governos que têm um horizonte
de quatro a cinco anos e um cenário macroeconômico que facilita
[a integração econômica]."
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