|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Blair perde o brilho, mas deve resistir
OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO
O primeiro-ministro britânico
Tony Blair, 50 anos e perto da metade de seu segundo mandato,
atravessa uma fase difícil em que
sua maior qualidade -uma extraordinária capacidade de conquistar a confiança da população- está sendo questionada,
mas deve vencer as próximas eleições, previstas para até 2006.
A Folha ouviu dois jornalistas e
um professor britânicos e os três
concordam: Blair deverá manter
o controle sobre o Partido Trabalhista, apesar do momentâneo
descontentamento interno, e o
Partido Conservador (oposição)
não representará séria ameaça.
As concordâncias terminam aí
-como, aliás, é natural na apimentada vida política do país-,
pois ao menos dois entrevistados
têm visões opostas sobre Blair.
"Confiança é como virgindade.
Perdida, não é mais recuperada. A
capacidade política de Blair baseava-se na sua habilidade em
inspirar confiança. Agora que
perdeu sua principal arma, nunca
mais se recuperará. Ele é como
um pássaro de asas quebradas.
Poderá continuar premiê, mas
nunca mais voará", diz Matthew
Parris, 53, colunista do "The Times" e da revista "The Spectator".
"A mídia sempre diz que a confiança no premiê acabou. Mas a
verdade é que os britânicos desconfiam de todos os políticos.
Blair tem tudo para obter uma
terceira vitória consecutiva, algo
inédito para um premiê trabalhista", afirma George Jones, 65, professor de governo da London
School of Economics (LSE).
O principal motivo da crise de
confiança é a Guerra do Iraque.
Blair aliou-se ao presidente dos
EUA, George W. Bush, na ofensiva contra Saddam Hussein e, apesar da rápida deposição do ditador, enfrenta questões sobre os
motivos da ação militar.
A principal justificativa apresentada por Blair para invadir o
Iraque foi a ameaça que Saddam
representaria por se negar a destruir suas supostas armas de destruição em massa, proibidas pela
ONU. Quase três meses após a
queda do ditador, não foram encontrados sinais da existência das
tais armas, e Blair é acusado de ter
exagerado a ameaça militar iraquiana e de ter usado "provas"
falsas para justificar a guerra.
Há dez dias, o especialista britânico em armas de destruição em
massa David Kelly, fonte da rede
BBC numa reportagem crítica ao
dossiê sobre o Iraque apresentado
pelo governo, apareceu morto,
num provável suicídio. Surgiu a
suspeita de que teria sofrido extrema pressão de membros do
governo, a ponto de se matar.
Diversas pesquisas de opinião
publicadas na última semana
mostraram uma forte queda no
apoio ao premiê devido às dúvidas suscitadas pelo episódio.
Diante da comoção no país, o
governo foi forçado a aceitar a
abertura de um inquérito sobre as
circunstâncias da morte do cientista, e acredita-se que, se a investigação concluir que houve ação
indevida por parte de membros
do alto escalão, cabeças rolarão.
"Deve haver renúncias. Do ministro da Defesa, Geoff Hoon, ou
de Alastair Campbell, diretor de
comunicação e o segundo homem mais importante do governo. Blair confia muito em sua credibilidade e integridade pessoais.
E elas estão abaladas. Mas acho
que não renunciará", diz Edward
Lucas, 41, repórter de política da
revista "The Economist".
Num artigo recente intitulado
"Estamos testemunhando a loucura de Tony Blair?", Parris
-que foi deputado conservador
por sete anos, apadrinhado pela
então primeira-ministra Margaret Thatcher, mas desistiu da política e se tornou um dos mais irônicos comentaristas políticos britânicos- sustenta que beira a insanidade a convicção com que o
premiê defende suas posições e
atitudes em relação ao Iraque.
"Ele prometeu que haveria uma
resolução da ONU autorizando a
guerra. Não houve. Que seria o
mediador entre os EUA e a Europa. Não conseguiu. Que Bush
aceitaria uma administração da
ONU após a vitória. O que não
aconteceu. Que as armas de destruição em massa seriam encontradas. Não foram. A cada dificuldade, Blair pede tempo, duas semanas, um mês, dois meses, para
que seu argumento se prove verdadeiro. Esse é o comportamento
de um homem insano, que vive
no mundo da fantasia", diz.
Para Jones, "o que vai determinar o futuro de Blair não tem nada a ver com o Iraque e a guerra,
mas com a economia". "Se o desemprego e a inflação continuarem baixos, se os impostos não
aumentarem e se persistir o sentimento de que o governo está conduzindo bem a economia, Blair
será reeleito. O britânico está mais
interessado em seu bem-estar que
em política externa", afirma.
Blair também tem sido alvo de
"fogo amigo". Membros do próprio Partido Trabalhista -originalmente de centro-esquerda,
mas trazido para o centro pelo
premiê- já pressionam por sua
saída. Se isso ocorresse, um novo
líder seria escolhido, provavelmente o ministro das Finanças,
Gordon Brown, e governaria até
as próximas eleições, quando enfrentaria o teste das urnas.
"Não vejo risco de isso acontecer, porque Blair tem a classe média do seu lado. Ele é a garantia de
nada ameaçador. Um líder trabalhista de verdade [mais à esquerda] amedrontaria esses eleitores,
e os parlamentares trabalhistas
eleitos por distritos de classe média sabem que correriam risco de
não se reeleger", diz Lucas.
"Quando as eleições estiverem
perto, muitos dos trabalhistas que
fazem barulho agora perceberão
que, se quiserem continuar no
Parlamento, terão de apoiar Blair
porque o público o estará apoiando", afirma Jones.
Para Parris, o mais provável é
que Blair conduza os trabalhistas
até as próximas eleições, mas sua
vitória, segundo o colunista, será
menor do que em 1997 e 2001.
Texto Anterior: Projetos são pouco eficazes, diz analista Próximo Texto: Premiê beneficia-se de oposição ausente Índice
|