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Hollywood intensifica cooperação com CIA e Pentágono
SAMUEL BLUMENFELD
DO "LE MONDE"
Os filmes de guerra americanos,
como "A Soma de Todos os Medos", em que terroristas explodem uma bomba nuclear, trazem
à tona os laços estreitos -ainda
mais desde 11 de setembro-
existentes entre a indústria cinematográfica e as autoridades norte-americanas, preocupadas em
melhorar a sua imagem.
Desde 11 de setembro, quase um
terço dos filmes líderes de bilheteria nos EUA se enquadra no gênero guerra. "Falcão Negro em Perigo", de Ridley Scott, reconstituiu
a fracassada intervenção americana na Somália. "We Were Soldiers", de Randall Wallace, retoma o tema da Guerra do Vietnã, e
"A Soma de Todos os Medos", de
Phil Alden Robinson, ressuscita o
espectro de uma guerra nuclear.
O cinema de guerra não vive um
momento tão dinâmico desde os
filmes sobre o Vietnã feitos em
meados dos anos 1980 ("Platoon",
"Hamburger Hill").
Esse retorno do gênero não se
explica tanto pelo "efeito 11 de setembro" quanto pelo sucesso de
"O Resgate do Soldado Ryan", de
Steven Spielberg, lançado em
1998. Mas, como observa Jim Hoberman num artigo publicado em
28 de junho no "The Village Voice" e intitulado "Como Hollywood aprendeu a parar de se
preocupar e passou a amar a
bomba" (em referência ao subtítulo de "Dr. Fantástico"), nunca,
desde a grande época dos filmes
de guerra da era Reagan, como
"Rambo", "Top Gun, Ases Indomáveis" e "Desaparecido em
Ação", Hollywood pareceu estar
tão próxima de Washington.
Há pouco pudemos ver o vice-presidente americano, Dick Cheney, ao lado do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, na estréia
de "Falcão Negro", em Washington. Quando a estréia foi adiantada, em dezembro de 2001, para
aproveitar o "efeito 11 de setembro", cópias do filme foram enviadas às bases norte-americanas
no exterior. "We Were Soldiers" e
"A Soma de Todos os Medos" tiveram direito ao mesmo tratamento oficial. O filme de Wallace
foi exibido, em sessão reservada, a
George W. Bush, Donald Rumsfeld, Condoleezza Rice e vários altos funcionários de Washington.
A estréia mundial de "A Soma"
aconteceu em Washington. A Paramount fez questão de informar
a imprensa sobre a ajuda excepcional que o filme recebeu da CIA
(agência de inteligência) e do Pentágono (comando militar dos
EUA). Em troca de um valor simbólico, os criadores do filme tiveram acesso a informações classificadas como "confidenciais".
A troca foi benéfica a ambos os
lados. Os produtores de "A Soma" puderam conferir a seu filme
um grau inédito de realismo, enquanto a CIA e o Pentágono, pelo
fato de exercerem controle estreito sobre seu conteúdo, puderam
utilizá-lo em seus esforços de recrutamento, num momento em
que o serviço militar deixou de ser
obrigatório, apesar de o país travar uma guerra no Afeganistão.
Essa lua-de-mel entre Hollywood e o Pentágono não é novidade. Ela faz parte de uma longa
história relatada pelo historiador
militar Lawrence D. Suid em seu
livro "Guts and Glory : the Making of the American Military
Image in Film" (University Press
of Kentucky, 2002). Ele mostra no
livro que os laços entre Hollywood e o Pentágono sempre foram estreitos e remontam a 1915,
com "O Nascimento de uma nação", de D.W. Griffith, para o qual
os engenheiros da academia militar de West Point contribuíram
com apoio logístico para as sequências ambientadas durante a
Guerra Civil Americana.
Essa aliança entre Hollywood e
o Pentágono, porém, parecia impossível logo após 11 de setembro.
Os estúdios de Hollywood fizeram questão de adiar o lançamento de produções suas em que apareciam terroristas, entre elas
"Efeito Colateral", com Arnold
Schwarzenegger. Eles engavetaram todos seus projetos que tratavam do tema, como "World War
III", produzido por Jerry Bruckheimer ("Top Gun", "Pearl Harbor", "Falcão Negro"), no qual as
cidades de San Diego e Seattle são
destruídas por uma bomba nuclear, e "Nose Bleed", em que Jackie Chan deveria interpretar um
lavador de carros que desmascara
um complô para destruir o World
Trade Center. Hollywood parecia
disposta a dar a mão à palmatória
depois de 11 de setembro, como
que antecipando um castigo merecido. O "Los Angeles Times"
observou que o gosto de Hollywood pelos filmes-catástrofe ou
os que mostravam atos terroristas
tinha simplesmente desaparecido. Um produtor da DreamWorks explicou que a época em
que o estúdio produzia filmes como "O Pacificador" ou "Impacto
Profundo" ficara para trás.
Mas o público discordou. A edição de 3 de outubro do ano passado do "Washington Post" chamava a atenção para o fato de que
"Rambo" estava entre os títulos
mais procurados nas videolocadoras. Em lugar de ser punida,
Hollywood foi recrutada. Pouco
depois de 11 de setembro, o Instituto de Tecnologias Criativas da
Universidade do Sul da Califórnia, patrocinado pelo Pentágono,
organizou diversas reuniões com
roteiristas e diretores. O objetivo
das reuniões, dirigidas pelo general Kenneth Bergquist, era imaginar possíveis roteiros de ataques
terroristas e preparar uma eventual resposta.
Lawrence H. Suid conta como
Washington sempre se aproxima
de Hollywood em tempos de
guerra, de maneira sistemática.
Assim, nos anos 1960, após o
lançamento de "Limite de Segurança", de Sydney Lumet, "Dr.
Fantástico", de Stanley Kubrick, e
"Sete Dias em Maio", de John
Frankenheimer, que ofereciam
uma imagem crítica e irônica de
Washington e do Pentágono, o
general Curtis LeMay interveio
com o produtor Sy Bartlett, da
Universal, para que começasse a
produzir um filme que iria glorificar a Força Aérea americana, com
Rock Hudson.
A novidade, hoje, não está tanto
no nível inédito de colaboração
entre o Pentágono, a CIA e a indústria do cinema, mas na maneira como Washington parece estar
elaborando sua estratégia de comunicação por causa de determinados filmes de Hollywood.
Assim, o secretário da Justiça,
John Ashcroft, esperou até a segunda-feira após o segundo fim
de semana em que "A Soma de
Todos os Medos" estava em cartaz para anunciar a prisão do terrorista Abdullah al Mujahir, cujo
nome verdadeiro é José Padilla.
Ligado à Al Qaeda, ele planejava
um atentado semelhante ao que
acontece no filme de Phil Alden
Robinson. Mais estranho ainda:
John Ashcroft estava em Moscou
no momento do anúncio, como
que para fazer eco ao que acontece em "A Soma", em que a cooperação russo-americana salva o
mundo do caos.
Será que, para saber se os EUA
vão ou não intervir no Iraque, devemos ficar atentos ao calendário
de lançamentos do cinema?
Tradução de Clara Allain
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