São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 2011

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CLÓVIS ROSSI

Obama já perdeu


O presidente é forçado a ceder à chantagem do Tea Party no corte de gastos; propostas remanescentes não incluem elevar receita

Seja qual for o desfecho da batalha em torno da dívida/deficit dos Estados Unidos, o presidente Barack Obama já perdeu.
Perdeu porque as duas únicas propostas remanescentes no Congresso não incluem aumentar a receita do governo como parte do ajuste fiscal que todos consideram indispensável. O presidente insistiu, o tempo todo (continua insistindo, aliás), que o certo seria promover um corte de despesas, mas também um aumento de receita, como se faz em todo lugar do mundo.
Mesmo os desesperados países europeus, como Grécia e Portugal, incluíram aumento de impostos em seus pacotes de austeridade fiscal. Os EUA não teriam que ficar desesperados, não fosse o fundamentalismo quase religioso dos membros do Tea Party, que bloquearam qualquer tentativa de acordo e levaram a discussão até a antevéspera do prazo fatal de 2 de agosto para aumentar o teto de endividamento --aí, sim, provocando desespero.
Esses radicais não estão aceitando nem o pacote do presidente da Câmara, o republicano John Boehner, que só prevê corte de gastos, porque acham que a poda é pequena para seu apetite por sangue.
Pior: a proposta Boehner na prática deixará o presidente sangrando em praça pública durante o ano eleitoral de 2012. Afinal, ela só eleva o teto da dívida em US$ 1 trilhão, suficiente apenas até o fim do ano/começo do ano que vem. Aí, Obama teria de novo que se submeter à chantagem dos republicanos, majoritários na Câmara, em plena campanha eleitoral.
É verdade que as pesquisas até agora mostram divisão entre os que culpam o presidente pelo impasse e os que culpam o Congresso (e, por extensão, a maioria republicana na Câmara). Mas quem vão culpar quando se passar das hipóteses/propostas aos fatos?
Se o Congresso afinal aprovar um novo limite de endividamento acompanhado de cortes, quem implementará os cortes? O Executivo e seu chefe, Barack Obama. Se o Congresso for além do limite no impasse e os Estados Unidos tiverem que dar o calote, quem deixará de assinar os cheques para, por exemplo, os beneficiários da Seguridade Social? Obama, claro (só no dia 3, estão previstos pagamentos de US$ 23 bilhões relativos a benefícios sociais).
O presidencialismo norte-americano, com seus pesos e contrapesos, é de fato o que mais limita os poderes do presidente (poderes quase imperiais na América Latina, por exemplo). Mas continua sendo presidencialismo e, portanto, a responsabilidade última acaba sendo do ocupante da Casa Branca.
Mesmo que não haja o calote, mas as agências de rating decidam que os cortes não tornam a dívida sustentável e, em consequência, rebaixem a avaliação dos Estados Unidos, quem será apontado como culpado pela perda do triplo A que os EUA ostentam desde sempre e pelo inexorável aumento dos juros?
O pior é que Obama é o menos culpado pela situação: seu antecessor republicano, George W. Bush, pegou uma dívida de US$ 5,77 trilhões, em 2001, e a transformou em US$ 10 trilhões, 73% maior. Já Obama elevou-a apenas 42%, assim mesmo pagando os custos de duas guerras herdadas de Bush.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Moisés Naím


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