|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
IRAQUE OCUPADO
Clima de liberdade de expressão estimula surgimento de novos veículos e aquece debate sobre regulação
Mídia iraquiana vive surto pós-Saddam
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A mídia iraquiana está há quase
seis meses numa situação meio
caótica. O que é bom sinal. As estimativas sobre o número de novos jornais oscilam de 80 a 400.
Equipes de jornalistas e técnicos
que saquearam as instalações do
regime deposto colocaram em
funcionamento precário emissoras regionais de rádio e TV. Existe
a IMN (Rede Iraquiana de Mídia),
patrocinada pelos norte-americanos, com boa tecnologia e possivelmente menor credibilidade.
A deposição do ex-ditador Saddam Hussein trouxe um clima de
liberdade de expressão atestado
por três recentes pesquisas independentes: o da organização Repórteres Sem Fronteiras, o da Rádio Nederlands, emissora pública
holandesa, e o da Royal Television
Society, entidade britânica.
Paul Bremer, o administrador
americano, baixou em junho um
decreto em que ameaçava de fechamento órgãos da mídia que
incitassem o ódio racial, étnico ou
religioso. O decreto já foi aplicado
duas vezes: contra uma rádio e
contra o jornal "Al Mustakilla".
Além disso, na última terça-feira, o Conselho de Governo Iraquiano suspendeu temporariamente o acesso das TVs árabes Al
Jazira e Al Arabiya a imóveis e a
eventos do governo, alegando que
"encorajaram o terrorismo".
Os episódios são vistos como
isolados. Não há campanha internacional contra a "censura" dos
EUA. Prevalece a discussão sobre
a necessidade de regras estáveis
de funcionamento da mídia.
Bremer instalou há dias uma comissão de imprensa vinculada ao
Ministério das Comunicações. A
comissão é dirigida por Simon
Haselock, diplomata da ONU, e
subordinada ao ministro e, é claro, à administração americana.
O problema consiste basicamente em evitar que o caldeirão
étnico (curdos contra árabes) ou
muçulmano (xiitas contra sunitas) não tenha seu fogo alimentado por um estilo panfletário de
jornalismo. Há também normas
empresariais e de repartição do
espectro hertziano.
Os Repórteres Sem Fronteiras
notam que os jornalistas são, em
geral, comedidos. Acostumados a
obedecer nos tempos de Saddam,
usam hoje com muita parcimônia
a liberdade de que dispõem. Com
o fim da censura criaram quatro
bons jornais e ainda semanários
de economia e cultura.
Há o "Al Adala", ligado aos xiitas, o "Taakhi", dos curdos de esquerda, o "Assaman", dirigido
por Saad El Bazzaz, ex-diretor da
TV estatal de Saddam e em seguida exilado no Reino Unido.
Durante a ditadura, a produção
e a difusão de programas de rádio
e televisão eram extremamente
centralizada em Bagdá. A destruição, durante a guerra, da infra-estrutura de retransmissão impediu
a reconstituição dessa rede.
No lugar dela há "a televisão dos
americanos", como é chamada a
IMN, captada num raio de 70 km
ao redor da capital. Ela transmite
seis horas diárias de programação. Seu primeiro diretor, o ex-exilado Ahmad Rikabi, demitiu-se há dois meses e acusou os EUA
de não investirem o suficiente.
Mas foram também outras as divergências. Rikabi recomendava a
transmissão abundante de versos
do Alcorão, do que a administração americana discordava.
Em Bagdá é também captada a
Al Alam, TV iraniana em árabe, e
mais duas estações curdas. Entre
as rádios, além das precárias locais, há a BBC em árabe e a TMC,
rede privada francesa com boa
implantação no Oriente Médio.
A ditadura deposta proibia antenas parabólicas. Elas hoje são
objeto de um amplo comércio.
Custam em torno de US$ 120,
uma quantia proibitiva para os
mais pobres, mas que já se tornou
para os mais ricos um bem de
consumo essencial.
Texto Anterior: Direitos humanos: EUA criam "inferno" em campos de presos Próximo Texto: Lei deve conter ódio na mídia, diz especialista Índice
|