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PSICANÁLISE
Criação do Colégio de Psicanalistas britânico põe em xeque prática clínica tradicional e causa reação inflamada
"Guerras freudianas" ganham força no Reino Unido
D.D. GUTTENPLAN
DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES
Quem é dono da psicanálise? A
pergunta está no cerne da batalha
mais recente das "guerras freudianas", uma luta épica pelo legado de Sigmund Freud (1856-1939), psicoterapeuta pioneiro,
cartógrafo do inconsciente e morador de Hampstead (Londres).
No ano passado, um grupo novo intitulado Colégio de Psicanalistas convidou terapeutas britânicos que satisfizessem qualificações a entrar para seu "registro de
profissionais". A Sociedade Psicanalítica Britânica, quartel-general
da análise freudiana clássica, reagiu acusando o colégio de induzir
o público ao erro com seu treinamento e suas qualificações".
As estocadas começaram quando um fundador do colégio chamou a ação da sociedade de "reação fóbica ao crescimento, como
simbolizado no mito de Édipo".
Em declaração, a sociedade descreve o colégio como artifício para que terapeutas "se façam passar por psicanalistas formados"
-uma fraude sob a lei britânica;
logo, a afirmação representou
uma declaração de guerra.
Para a terapeuta Susie Orbach,
membro ativo do colégio, o argumento da sociedade de que o título de psicanalista "se refere ao que
foi treinado para fazer" é bobagem e restringe a prática.
Apesar de parecer uma discussão tacanha, trata-se de uma disputa sobre a natureza da terapia.
E fica claro que se trava uma guerra intransigente em torno de dinheiro, prestígio e poder.
No Reino Unido, as origens dessa batalha são peculiares. Diferentemente da psicoterapia americana, a psicoterapia britânica não é
regulamentada pelo governo. Até
recentemente, era exigência dos
EUA que a maioria dos psicanalistas tivesse diploma de medicina. Os analistas britânicos, como
outros na Europa, nunca foram
obrigados a ter formação médica
nem formação universitária em
psicologia.
Como quase toda a psicoterapia
praticada no Reino Unido ocorre
fora do âmbito do Serviço Nacional da Saúde, o governo se manteve neutro. Pela lei, qualquer um
com ousadia para isso pode ser
psicanalista no Reino Unido.
Nos EUA, algumas dessas batalhas são travadas há anos. Em
1989, a Associação Psicanalítica
Americana -que então exigia de
seus membros diploma médico- concordou em resolver um
processo judicial antitruste por
acordo extrajudicial e permitir
que psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e outros profissionais de saúde mental fizessem
treinamento analítico.
O fluxo de novos analistas criou
vários problemas. Os candidatos
tinham de se submeter ao regime
de treinamento tradicional: análise pessoal feita quatro ou cinco
vezes por semana por vários anos
e análises supervisionadas nas
quais o candidato recebia seus pacientes. Alguns candidatos questionaram a diferença entre psicoterapia analítica e psicanálise.
Ambos os lados da disputa atual
colocam a prática clínica no cerne
da psicanálise. As diferenças são
tão políticas quanto teóricas. Hoje
os analistas têm a liberdade de
desconsiderar a ênfase que Freud
atribuía ao instinto. E, embora a
exigência da análise quatro ou
cinco vezes por semana para os
candidatos a analistas garanta trabalho aos analistas professores,
seus trainees têm de competir em
um mundo que tende a dar preferência às soluções rápidas, quer
sejam medicamentosas ou saídas
do consultório de um terapeuta
comportamental, e no qual a superioridade da psicanálise deixou
de ser dada como certa.
Essa disputa pode levar à regulamentação, nos próximos anos,
da profissão de psicanalista no
Reino Unido.
Tradução de Clara Allain
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